Em nota (veja abaixo), Izabela e Simão anunciaram que irão recorrer da decisão. A sentença de Santana decorre de uma ação popular impetrada em junho de 2015 pelo deputado Francisco Filho, o “Chicão”, que é hoje líder do governo de Helder Barbalho na Assembleia Legislativa. A decisão é do dia 11 passado, mas só foi divulgada hoje. Ontem, durante julgamento no Tribunal de Contas do Estado (TCE), o ex-governador teve suas contas referentes ao exercício de 2018 aprovadas por todos os conselheiros.
Diz o magistrado em um trecho da decisão: “diante desse panorama fático-jurídico, sobejou comprovada – e de maneira evidentíssima – a tese do autor popular, no sentido de que a criação da Secretária Extraordinária de Estado de Integração de Políticas Sociais desbordou inteiramente da ordem jurídico-administrativa constitucional, contida no artigo 37 da Carta Federal.
Essa circunstância foi gravemente realçada pelo fato de a criação irregular do órgão ter resultado na nomeação da própria filha do então governador para ocupar o cargo de secretaria. Ou seja, uma ilegalidade foi sucedida por um flagrante atentado à moralidade administrativa. Depreende-se do comando constitucional que a Administração Pública, em quaisquer de suas órbitas, obedecerá aos Princípios de Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência (art. 37 da CF/88).
No caso presente, é possível concluir, sem maior esforço hermenêutico, que o então Governador do Pará destoou de qualquer ideia jurídica acerca da Legalidade, da Impessoalidade, da Moralidade Administrativa e da Eficiência. Afinal, ao analisar o ato que foi combatido pelo autor é possível assegurar que o réu infringiu ao menos os seguintes preceitos:
1) Descumpriu o roteiro normativo previsto no inciso IX, do art. 91 da Constituição Estadual, pois não submeteu ao Parlamento Estadual o ato de criação da Secretária Extraordinária de Estado de Integração de Políticas Sociais, embora, apenas três meses antes, tivesse submetido ao mesmo parlamento o ato de criação e de extinção de diversos órgãos/cargos no âmbito da Administração Pública Estadual;
2) Afrontou qualquer percepção (até mesmo a mais distraída e/ou superficial) sobre a Impessoalidade e a Moralidade Administrativa, tanto como conceitos quanto como valores jurídicos. É que, não apenas criou de forma manifestamente irregular uma secretaria extraordinária. Além disso, ou melhor, não bastasse isso, sem aparentar qualquer trauma de consciência, nomeou a sua filha para ocupar o cargo de secretaria;
3) O órgão criado pelo réu, a Secretária Extraordinária de Estado de Integração de Políticas Sociais, o foi sem que lhe fosse atribuída qualquer função específica.
Aliás, nem mesmo funções inespecíficas foram atribuídas àquela secretaria, já que, concretamente, nenhum documento oficial (lei, decreto etc.) foi aditado aos autos para esclarecer quais as funções/atribuições da secretaria. Vale rememorar que o art. 1º da Lei Estadual nº 6.378/2001 permite ao Governador do Estado criar até três secretarias extraordinárias. Segundo a literalidade do texto legal,a criação dessas secretarias terá por finalidade o desempenho de encargos temporários de natureza relevante. No entanto, se até hoje são desconhecidas as atribuições da secretária Extraordinária de Estado de Integração de Políticas Sociais, vale aqui questionar: afinal, qual o encargo temporário e de natureza relevante que justificou a criação desse órgão?
À pergunta antecedente, a única resposta possível (a partir do que consta dos autos) é nenhum; nenhum encargo de feição temporária e/ou relevante foi apresentado pelos réus como elemento de motivação para a criação da Secretaria Extraordinária de Estado de Integração de Políticas Sociais”.
E mais: “convém dizer que a presente interpretação não significa adentrar na esfera de atuação do Poder Executivo, promovendo interferência indevida. Sucede que, em uma sociedade instituída a partir de valores republicanos, todo e qualquer poder tem os seus limites. Não por outra razão o poder discricionário que é conferido ao Administrador Público sofre limitações. Do contrário, qualquer um que estivesse no exercício do poder poderia dele se valer para promover o arbítrio.
Ademais, ao lado da irregularidade de origem, aflorou flagrantemente o nepotismo praticado pelo então Governador do Estado, o qual não se intimidou e nomeou a sua filha para ocupar um cargo público, cuja atribuição era absolutamente inespecífica. Importa consignar que, no interior da Administração Pública, um Secretário de Estado é – guardadas as devidas proporções – equivalente ao Ministro de Estado no âmbito federal. Portanto, esse cargo possui status jurídico que vai muito além daquele que é ostentado pelos demais servidores públicos que estejam sob o comando do secretário.
Em resumo, um secretário de estado não é um simples assessor. E tanto não o é, que são maiores tanto a sua remuneração quanto a sua responsabilidade funcional. Ao adotar a via interpretativa exposta, sobejou comprovado, às escâncaras, que o ato do Governador do Estado do Pará desbordou (e muito) da mais tênue versão da moralidade administrativa. E assim o fez, tanto por usurpar o poder parlamentar, subtraindo-lhe a possibilidade de questionar a criação da secretaria, quanto por se valer de um ato manifestamente irregular para favorecer a própria filha. Esta, por sua vez, até por sua formação acadêmica/profissional, agiu tendo plena consciência do favorecimento que recebeu”.
Nota chama decisão de “equivocada” e diz STF rejeitou ação do MDB
Em nota enviada ao Ver-o-Fato, Izabela Jatene e Simão Jatene prestam os seguintes esclarecimentos a respeito da decisão do juiz Raimundo Santana:
“1. A sentença do juiz Raimundo Santana está equivocada e será objeto de recurso, considerando que todos os atos foram realizados dentro da legalidade e com o respaldo jurídico e acompanhamento da Procuradoria do Estado do Pará;
2. Em que pese o estranho entendimento diverso do magistrado, as Secretarias Extraordinárias foram sim criadas por autorização legislativa, através da Lei nº 6.378/2001, que expressamente previu em sua ementa que a referida norma “Dispõe sobre a criação de cargos de Secretário Extraordinário de Estado”, sendo posteriormente acrescido na estrutura administrativa do Estado mais um cargo da mesma natureza criado pela Lei nº 8.096/2015 (art. 3º, inciso X);
3. Sobre a nomeação de Izabela Jatene de Souza para o cargo de Secretaria Extraordinária de Integração de Políticas Sociais, o próprio juiz, em sua controversa decisão, reconhece os atributos e qualidades profissionais de Izabela como sendo “mais que suficientes para que exercesse o cargo para o qual foi nomeada, ainda que não fosse o seu pai a autoridade que a nomeou”;
4. Izabela Jatene é socióloga, servidora pública federal, professora concursada da UFPA, especialista em gestão de projetos sociais pela FGV-RJ, possui mestrado em antropologia pela UFPA e doutorado em ciências sociais pela PUC-RJ, além de ter atuado em sua área junto a diversos organismos nacionais e internacionais, como UNICEF, COPLAD, entre outros;
5. Ressalte-se que ação similar de cunho eminentemente político-eleitoreiro foi proposta também pelo MDB perante o STF (Reclamação nº 26.969/PA), tendo sido negado o seu seguimento pelo Ministro Dias Toffoli, em 16/05/2017, que, embora sem entrar no mérito da demanda, ratificou a posição daquela Corte Superior acerca da inexistência de nepotismo nas hipóteses do caso em análise;
6. Por fim, ainda em 2016, o Ministério Público Estadual se manifestou sobre o caso, através do Promotor de Justiça Silvio Brabo, que, em seu parecer juntado aos autos, se manifestou pela “improcedência da ação por ausência de lesividade no ato impugnado”, ressaltando que a nomeação de Izabela Jatene de Souza “não traz nenhum prejuízo ao patrimônio público capaz de legitimar a intervenção do Judiciário por intermédio de uma ação popular”;
7. Por tudo, é difícil não estranhar que, decorridos mais de 8 meses do término do governo passado e mais de quatro anos e meio após despropositada ação popular, proposta pelo deputado do MDB Francisco das Chagas Melo Filho, o Chicão, líder do atual Governo na Alepa; seja a sentença tornada pública, no mesmo momento em que o Tribunal de Contas do Estado julgou e aprovou as contas do governo Simão Jatene, exercício de 2018”.