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terça-feira, 30 de outubro de 2012

Os frutos do rico

O maior contrabandista de armas da Amazônia

"Rômulo Maiorana morreu em abril de 1986, aos 64 anos, de leucemia. A partir de então, os sete filhos de Rômulo, que o sucederam, sob a presidência honorária da mãe".


O maior contrabandista de armas da Amazônia (Foto: )Belém sempre foi uma cidade bem acolhedora. Na primeira metade do século passado, colhia os frutos do rico ciclo da borracha do final do século XIX, que proporcionou uma transformação na cidade, com a construção de palacetes, igrejas, grandes praças com lagos e chafarizes, calçamento de vias com pedras de lioz (importadas da Europa) e o ajardinamento das avenidas com mudas de mangueira importadas da Índia. Tudo ao estilo da arquitetura francesa.
Belém era conhecida como a “Paris dos Trópicos” e atraía todo tipo de gente, de todo tipo de lugar. Procuravam na cidade oportunidades de crescimento, como nos Eldorados. Naquela época, surgiram algumas fortunas na capital que hoje se encontram na segunda ou terceira geração.
Nessa época, o principal produto de exportação do Brasil era o café. Em Belém existiam casas de torrefação - na sua maior parte de fachada - que serviam para escamotear o contrabando. Nesses locais, parte do café era contrabandeado para cidades como Paramaribo e Caiena. Além do café, os contraventores também “exportavam” babaçu, cera de carnaúba, pedras preciosas, areia monazítica e vários produtos da floresta. No retorno dos navios, os contrabandistas recebiam produtos variados como carros, bicicletas, rádios, geladeiras, uísque, roupas, tecidos e até armas.
O volume do contrabando no Pará era tamanho – envolvendo empresários e inclusive políticos – que chamou a atenção da imprensa nacional na época. O jornal “O Globo” destacou o jornalista José Leal para investigar a fundo essa forma de contravenção em nosso Estado. O jornal publicou uma série de 22 artigos entre os dias 25/2/1957 e 23/3/1957 denominada “Um repórter na Rota do Contrabando”, onde o jornalista Leal desnudou as rotas, os esquemas e os mentores do contrabando no Estado do Pará.
Após intensa investigação, José Leal conseguiu identificar alguns nomes que realizavam esse tipo de contravenção através dos rios.

ARMAS
Publicado em 14/3/1957 na página 10 do jornal “O Globo”, o 14° artigo de José Leal tratou sobre o contrabando de armas. O jornalista se mostra surpreso com a notícia – provavelmente dada por uma fonte – de que em Belém estavam sendo vendidos revólveres contrabandeados. “Era, para mim, uma novidade, pois até aquela data (recebeu a informação em dezembro do ano anterior) havia entrado clandestinamente no Pará toda espécie de mercadorias, procedente de Paramaribo, com exceção de armas...”Leia mais...


Em seguida, o jornalista diz que descobriu toda a verdade através de uma brincadeira: ele encontrara no Grande Hotel um homem chamado Paulo Freire, que seria sobrinho de Victorino Freire, que trabalhava como secretário num banco em Belém. No texto, Leal dá a entender que Paulo contrabandeava uísque e que, “brincando”, lhe disse que não estava mais no ramo dos destilados. “Agora estou vendendo isto”, disse Paulo ao jornalista, tirando da cintura “um lindo revólver calibre 32, oxidado, cabo de nogueira”.
Espantado, José Leal indagou a Paulo onde e como havia adquirido tal arma. “Um amigo meu acaba de regressar dos Estados Unidos e trouxe uma partida de cem”, confidenciou o secretário do banco ao jornalista, que imediatamente se mostrou interessado, dizendo a Paulo que tinha uns amigos no Rio de Janeiro que lhe haviam pedido para comprar uns revólveres. Paulo disse que falaria com seu “amigo” para lhe procurar à noite. A seguir, reproduzimos “ipsi literis” trecho do artigo de José Leal que narra o encontro:
“Realmente: à noite apareceu no hotel um moço bem vestido, insinuante, delicado e, pelo que pude deduzir de suas primeiras palavras, muito ladino. Era Rômulo Maiorana, dono de uma agência de propaganda em Belém, pernambucano de nascimento, que esteve na Europa durante a guerra, tendo trabalhado na Itália numa repartição do Exército americano. Estivera em Paris e noutras capitais do Velho Mundo, e agora se encontrava em Belém, onde faz a coluna social do matutino ‘O Liberal’. Explicou-me que, no Pará, lutou a princípio com certas dificuldades, mas que finalmente vencera e superara todas as crises, estando no momento com uma situação financeira equilibrada. Adiantou-me ainda que se tornara colunista social por uma questão de conveniência:
- No Pará, é o melhor trampolim do mundo para a gente fazer bons negócios...(sic)
Finalmente, confessou que regressara havia pouco dos Estados Unidos e resolvera trazer armas, máquinas de escrever, rádios, etc. Mas não disse como desembarcara essas mercadorias. Salientou, isto sim, que só trouxera o que fora possível trazer legalmente. Quase dei uma gargalhada quando me falou em “legalmente”. Como sabem os leitores, a venda de armas nos Estados Unidos é severamente controlada, e sua saída do país exige uma série tão complicada de formalidades que somente os comerciantes estabelecidos no estrangeiro, com licença inclusive do Exército, podem importar revólveres. E Rômulo Maiorana não é comerciante estabelecido com autorização para fazer esse tipo de comércio. Sendo severamente controlada, a saída de armas só se torna possível nos Estados Unidos por meios clandestinos, isto é: o indivíduo compra essas armas clandestinamente. A verdade é que Rômulo Maiorana se tornou contrabandista de revólveres para o Brasil. Ali, naquele momento mesmo, disse-me que da partida trazida restavam apenas 53 revólveres que estavam à minha disposição pelo preço de 9 mil cruzeiros cada um. Respondi-lhe que o preço era muito alto. Iria passar um telegrama para determinada pessoa no Rio e no dia seguinte lhe comunicaria a minha decisão.
A verdade, leitores, é que Belém foi inundada de revólveres. Podia-se comprar uma arma na calçada dos hotéis, no bar, na rua, sem o conhecimento da polícia, que nenhuma providência tomou, embora sabendo quem os tenha trazido e quem os estava vendendo.”
Rômulo Maiorana era pernambucano e filho de italianos, chegou a Belém em 1953, com 31 anos. Tentou alguns negócios, como fabricar placas indicativas de ônibus, flâmulas e painéis luminosos, antes de começar a montar uma rede de sete lojas de vestuário e calçados. Sempre exerceu paralelamente a função de colunista sócial, primeiro em “O Liberal”, jornal fundado em 1946, para ser o porta-voz do partido mais forte do Estado Partido Social Democrático (PSD), controlado por Magalhães Barata.
Barata foi interventor federal no Pará em 1930, voltou a ser interventor durante a grande guerra e em 1953 era senador, preparando-se para disputar – e vencer – a primeira disputa como governador eleito pelo voto popular, em 1955. Sua principal ameaça era um jornal, a “Folha do Norte”, fundado ainda no século XIX, e seu dono e principal redator - de estilo violento -, Paulo Maranhão.
Além de escrever uma coluna no jornal de Barata, Rômulo passou a namorar uma sobrinha do general, Lucidéia, mais conhecida como Déa, jovem bonita e que nas altas rodas da sociedade paraense era conhecida por um modo de vida nada ortodoxo para a moral conservadora da época.
Segundo artigo publicado no portal Adital (http://www.adital.com.br/site/noticia2.asp?lang=PT&cod=18968), em setembro de 2005, pelo jornalista Lúcio Flávio Pinto, Rômulo cresceu no comércio e multiplicou as Lojas RM à sombra de Barata, bem como pelo contrabando que se desenvolvia na cidade. Segundo o jornalista, Belém vivia isolada do restante do país na época. Não dispunha de estradas de rodagem ou ferrovias para as comunicações com outros estados brasileiros ou o exterior, que só podiam ser feitas por navio ou avião. “Mas, como estava às proximidades das Guianas, Belém se abastecia, sobretudo, de bens duráveis (como automóveis) e de consumo supérfluo (como bebida alcoólica e perfume), através de um comércio ilegal com seus vizinhos estrangeiros”.
O contrabando, diz o artigo de Lúcio Flávio, quebrava o isolamento e, ao mesmo tempo, enriquecia um grupo de empreendedores mais audaciosos – ou mais próximos do poder político, que daria cobertura às suas aventuras. Rômulo fazia parte desse grupo”.
Em março de 1960, o governador do então Estado da Guanabara (hoje a cidade do Rio de Janeiro), o udenista Carlos Lacerda, incluiu o nome de Rômulo entre contrabandistas de Belém numa entrevista dada à televisão e reproduzida nos jornais. Em 1974, o “outro lado” do patriarca dos Maiorana foi lembrado pelo jornal “A Província do Pará”, numa série de editoriais.
Ainda segundo o jornalista José Leal, as armas contrabandeadas chegavam por meio de aviões vindo do exterior e que pousavam em Val-de-Cans. “...quando chega ao fim da pista, justamente no momento de fazer a curva e taxiar rumo à estação de passageiros, o comandante, que sabe da história e ganha a sua parte, acelera os motores do aparelho, que já está com a portinhola aberta. Nessa ocasião, a aeromoça, que também faz parte da quadrilha, tem apenas o trabalho de empurrar com um dos pés o caixote com 100 ou 200 revólveres. Ninguém ouve o barulho do choque da caixa com o solo por causa do ronco dos motores. Dentro do mato estão escondidos os homens encarregados de transportar os pequenos volumes para um jipe, que some na estrada que vai para a cidade”, narrou o jornalista. Quem inaugurou o contrabando desse tipo de armas, segundo o jornalista, teria sido o agente da Real Aerovias chamado Salgado.
E prossegue José Leal: “Desse modo, ficam os leitores sabendo que em Belém até o colunista social é contrabandista; que até um alto funcionário da Real Aerovias vive fora da Lei, sem precisar disso”.
A notícia do jornal “O Globo”, um dos maiores jornais do país e que integra as Organizações Globo, cuja programação é transmitida aqui no Pará pela TV Liberal, de propriedade da “famiglia” Maiorana, mostra de que forma começaram os negócios do clã Maiorana no Estado do Pará e de como o patriarca da família ganhava a vida e fez fortuna na década de 50 do século passado: de dia, era um reles colunista de jornal. À noite, percorria os ambientes mais sofisticados das cidades das mangueiras oferecendo armamento contrabandeado. Com os lucros da contravenção ficou rico e, mais tarde, com a ajuda de pessoas influentes, compraria o jornal “O Liberal” e a TV Liberal.
A revelação, acima de tudo, corrobora o que o próprio filho de Rômulo Maiorana, Rômulo Maiorana Jr., chefe atual do clã dos Maiorana, revelou em editorial de baixo nível assinado pelo próprio e publicado na capa edição de seu jornal no dia 20 de maio passado: “Ora, se ele foi contrabandista, foi para dar comida a sete pessoas, a sua família (sic)...”. Não resta dúvidas de que, para a família Maiorana, os fins justificam os meios.
Pela ótica de Rominho, criminosos e assassinos como Nem da Rocinha e Fernandinho Beira-Mar estariam coonestados, isto é, seriam honestos e decentes, como Rômulo Maiorana, o pai, que o dinherio fosse usado para a família.
Após o “baratismo” ter sido derrotado pelo movimento militar eclodido no Brasil, em 1964, que depôs o presidente João Goulart e acabou com o populismo, o sistema nacional de poder estabelecido a partir do ditador Getúlio Vargas, Rômulo fechou abruptamente sua cadeia de lojas, famosas na cidade, e comprou, em 1966, o jornal “O Liberal”.
Em 1976, ele inaugurou a TV Liberal, montada em apenas oito meses, para se tornar afiliada da TV Globo. Mas, segundo Lúcio Flávio, Rômulo não pôde colocar a emissora em seu nome, embora fosse seu dono. “Os órgãos de informação ainda mantinham em sua ficha a nódoa do contrabando. O regime militar ainda estava no movimento afluente do seu moralismo. Não concordava em transferir para alguém tido como ex-contrabandista uma concessão pública, o canal de televisão”, relata.
Rômulo teve que colocar a concessão no nome de cinco funcionários, reavendo-lhes a ação depois, quando seus serviços prestados ao governo haviam limpado definitivamente seu nome dos arquivos da “comunidade de informações”. 
Rômulo Maiorana morreu em abril de 1986, aos 64 anos, de leucemia. A partir de então, os sete filhos de Rômulo, que o sucederam, sob a presidência honorária da mãe. Diario do Pará.

2 comentários:

  1. EU ADORAVA O PAI DE RÔMULO, A QUEM CHAMAVA DE VOVO MAIORANA, DONO DA CASA VESÚVIO,
    NA RUA JOÃO PESSOA, AQUI EM NATAL/RN.
    SAUDADES DELE, MUITAS!

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    1. Que conto !!! Romulo foi um vencedor, guerreiro amigo dos amigos, Conheci e vivi de perto boa parte de sua vida na compra do jornal ele entrou sem um real foram 100 promissorias. O Osean Brito que tinha um irmão coronel é que consegui intervir junto á Globo para a concessão do canal de repetidora da Globo.Romulo ajudou a muita gente deu trabalho condições era de visão . Merece mais respeito !!
      SERGIO MEIRELES NIBON

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