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sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Os donos da pesca – Helder, Maia e os atravessadores

Escrevo isto na vã suposição de que ambos, o novo ministro da Pesca, Helder Barbalho, e o provável titular da Secretaria Regional da Pesca, Joaquim de Lira Maia, algum dia em suas vidas estiveram comprando peixe numa banca de talho do Ver-o-Peso, em Belém, ou no Mercadão 2000, em Santarém, cidades onde moram. E se, nesse dia, tiverem escutado uma historinha parecida com esta que segue: 
Por M. Dutra
O Ministro da Pesca Helder  e lira Maia
Há pouco tempo eu estava no Ver-o-Peso, fazendo o que costumo fazer, isto é, andando de banca em banca, indagando a procedência do pescado exposto ao consumidor. A um dos vendedores perguntei por que o peixe é tão caro em Belém, cidade sabidamente situada no estuário do Amazonas, o Atlântico logo ali, dezenas de rios e lagos por toda parte. A resposta dele foi pronta: entre o pescador, lá no meio do rio, e eu, aqui no mercado, tem pelo menos outros três ou quatro. 
Esses três ou quatro a que o vendedor se referia são os atravessadores, aqueles que não pescam nem vão ao mercado nem à feira e terminam com o lucro. Me disse mais o vendedor: quem se f... é quem está nas pontas, o pescador e o consumidor. E deu uma explicação: Parte desse peixe aqui veio do lago de Tucuruí. Lá, quando o caboco chega na beira, com 20 ou 30 quilos de peixe, já tem um cara esperando numa kombi velha, que paga uma mixaria e leva a carga pra Tucuruí onde ele entrega a outro atravessador que traz pra Belém num baú frigorífico e faz o mesmo aqui, entrega a um atravessador mais avultado, que distribui o pescado nas feiras.
Essa história simplificada com certeza tem mais coisas a revelar, mas na sua essência é verdadeira.
Da mesma forma como acontece nos municípios da Vigia, no Nordeste do Pará e Santarém, no Baixo Amazonas. Estes são os dois municípios que mais concentram o comércio do pescado fora de Belém, seja para a exportação das melhores espécies, seja para a ação a olho nudos atravessadores que são os causadores principais dos altos preços do produto. 
Organização do setor 
Como se vê, o atual ministro da Pesca, embora tenha que se preocupar com todo o Brasil, tem muito o que fazer em seu Estado, juntamente com o provável titular da Secretaria Regional. Um primeiro e urgente passo é consolidar os dados esparsos existentes sobre o setor pesqueiro do Estado, aí incluindo as variáveis de produção e consumo, de vez que o Pará tem sub-regiões distintas, onde a preferência alimentar varia muito. Os hábitos de comer peixe em Belém, por exemplo, diferem muito do Baixo Amazonas e do Sul do Estado, havendo implicações de preço. 
Num segundo e também urgente momento, Helder e Maia terão que fazer o que nunca fizeram: um como prefeito de Ananindeua e outro como prefeito de Santarém, deputado federal e mesmo como secretário de Agricultura no governo de Hélio Gueiros, isto é, organizar o setor da pesca, eliminando a figura maléfica do atravessador, no qual as autoridades nunca tocam não se sabe a razão. 
Uma das maneiras de retirar esse atravessador do caminho das feiras e mercados é o incentivo e aassistência técnica para a formação de cooperativas, além da criação de mecanismos de financiamento ao pescador artesanal, este que efetivamente abastece as cidades a despeito de ser explorado pelo atravessador juntamente com o consumidor. Impor regras à pesca industrial de exportação que, além de penalizar o consumidor local, é uma fonte de desperdício de pescado, daquelas espécies que, sazonalmente, não interessam ao mercado externo - nacional ou estrangeiro - como se verifica na pesca do camarão, ocasiões em que até a caríssima pescada amarela é jogada de volta à água, morta, para não atrapalhar a captura do camarão rosa de que tanto gostam os japoneses.
Educação alimentar 
Ao mesmo tempo, outra medida, de saúde pública, deverá ser o incentivo ao consumo do pescado fresco ou recém-resfriado, que viria, ao menos em parte, reduzir o consumo de carnes estragadas, travestidas de salgadas, vendidas nas feiras de Belém e, suponho, de outras cidades também. Com destaque para o consumo de charque, especialmente frito, ingerido com açaí e excesso de farinha de mandioca.
Nas feiras, quase todas com elevado grau de anti-higiene, o pescado salgado, com muita frequência, vê-se que está estragado e que o sal é apenas uma maquiagem. Não é à-toa que Belém apresenta um elevado índice de câncer do sistema digestivo, sendo uma cidade de obesos, a começar das classes mais pobres, provavelmente em decorrência desse cardápio malsão.
Como se percebe, cuidar da pesca é algo que não pode ser posto em mãos despreparadas ou mesmo irresponsáveis. Cuidar do bolso dos mais pobres e oferecer-lhe um alimento mais baratoe sadio é a tarefa primordial do novo ministro da Pesca e de seu eventual auxiliar. Esperemos! 
Consumo 
Segundo dados do Ibama, que publiquei em reportagem no O Liberal, de Belém, há quase duas décadas o consumo de pescado na capital paraense variava entre 18 e 20 quilos por habitante/ano, o que era considerado muito pouco para uma cidade amazônica. Hoje, dados atualizados dizem que a Região Norte é a que mais consome peixe no país, sendo o Estado Pará o segundo, ficando o Amazonas em primeiro lugar no consumo. 
Dados da Secretaria de Pesca e Aquicultura do Pará (Sepaq) indicam que cada paraense consome, em média, 18 quilos de pescado por ano. O Estado, que é o segundo maior produtor de peixes no Brasil, gerando 180 mil toneladas a cada ano, consome mais que Santa Catarina, que é o maior produtor do país, com mais de 200 mil toneladas por ano. Lá, cada catarinense consome cerca de dois quilos por ano, quantidade considerada pequena pela Organização Mundial da Saúde, que recomenda pelo menos 12 quilos anuais por pessoa. 
Pesquisa produzida por Souza Bezerra, Jucá Monteiro e outros, intitulada "Modelagem econométricado consumo de peixe da região metropolitana de Belém-Amazônia-Brasil: uma aplicação utilizando software Eviews 3.0.", publicada no Observatorio de la Economía Latinoamericana, Número 168, 2012, indica que no Brasil, predomina o consumo de peixes de água salgada, todavia, no Estado do Pará a preferência é por peixes de água doce, como a pescada, o filhote, a gurijuba, entre outros. Nos mercados e feiras livres de Belém, os consumidores preferem o peixe fresco e inteiro, sendo que grande parte é consumido frito ou cozido (BARBOSA, 2006). 
Constatam os pesquisadores que o pescado é uma das principais bases alimentares do povo paraense, fato comprovado pela pesquisa de Orçamentos Familiares (IBGE, 2008) a qual mostra que o consumo de peixe per capita no Brasil é de 4,03 kg/hab/ano, sendo que as regiões Centro-Oeste, Sul, Sudeste e Nordeste apresentam, respectivamente, um consumo per capita de 1,62; 1,60; 2,06 e 4,97 kg/hab/ano. A região Norte se destaca dentre as outras, pois possui um consumo muito acima do esperado com 17,54 kg/hab/ano. O estado do Amazonas é o maior consumidor de peixe do Brasil com 30 kg/hab/ano, entretanto, o Pará fica em segundo lugar com 19 kg/hab/ano, apresentando consumo muito maior do que os outros estados e acima do que é recomendado pela Organização Mundial de Saúde. 
Segundo dados do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), a média de consumo de peixe por habitante/ano no País alcançou 11,17 quilos em 2011, ou seja 14,5% a mais do que em relação ao ano anterior.

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