A derrocada de
empresas brasileiras com a Lava Jato, a desvalorização do real e o
crédito caro no Brasil abriram espaço para que empresas chinesas
galgassem uma participação maior no país. Aproveitando esse contexto, a
China Three Gorges se prepara para fazer uma oferta no leilão da usina
de São Luiz do Tapajós. Com 6.133 megawatts de potência máxima
instalada, custo estimado em R$ 23 bilhões e o licenciamento ambiental
mais polêmico desde Belo Monte, a maior hidrelétrica planejada pelo
Governo Federal para as próximas décadas pode ser construída por uma
empresa chinesa que carrega um lastro de violações de direitos humanos.O interesse das empresas chinesas no setor elétrico brasileiro é confirmado por Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil China, que auxilia empresas chinesas interessadas em investir no Brasil. “Com ou sem Lava Jato, a China investe aqui por várias razões: ocupar mercado, ter lucro, exportar sua capacidade excedente e assegurar recursos estratégicos, e por razões geopolíticas internacionais,” diz Tang. Entre os projetos auxiliados por ele, estão o de uma hidrelétrica, um parque eólico e o a participação em duas termelétricas. Ele alega que não pode dizer quais são essas empresas, devido ao sigilo mantido pela Câmara.
Antes de entender os interesses dessas empresas no Brasil, é necessário entender por que o setor hidrelétrico chinês está atravessando as fronteiras do país, diz Stephanie Jensen-Cormier, diretora da ONG International Rivers em Beijing. A China, segundo ela, tem mais de metade das grandes hidrelétricas do mundo, mais do que o Brasil, os Estados Unidos e o Canadá combinados. Por isso, agora suas empresas precisam expandir para fora do país. “As empresas estatais chinesas ficaram muito sofisticadas e competitivas na construção de grandes projetos hidrelétricos. Elas estão envolvidas em mais de 330 projetos em 85 países. A maioria deles é no sudeste asiático, mas o número está crescendo,” diz Stephanie.
Interesses amazônicos
A construção de usinas no Tapajós pode estar articulada com outros interesses chineses na região. A energia de baixo custo poderia ajudar o estabelecimento de projetos de mineração na região, outro setor de interesse dos chineses, segundo o livro Brasil “Made in China”, da socióloga Camila Moreno. A autora aponta que o Tapajós abriga reservas minerais cada vez mais procuradas pelo país asiático. “Nos últimos anos, houve uma disparada na descoberta de novos garimpos, e atualmente a região é a grande promessa de fronteira para exploração de diamantes.” Associadas à construção de eclusas, a série de usinas poderia, ainda, baratear o escoamento da soja brasileira comprada pelos chineses. A hidrovia Tapajós-Teles Pires ligaria as plantações de soja do Mato Grosso por via fluvial até o rio Amazonas, que por sua vez desemboca no porto internacional de Belém, no oceano Atlântico. O novo projeto também poderia ser complementado com o canal da Nicarágua, que a China trabalha para abrir naquele país , ligando os oceanos Atlântico e Pacífico e encurtando a rota da soja brasileira até a Ásia.
Além da integração pelos rios da região, a China também avança com outros corredores de exportação por terra. As estatais chinesas Cheng Dong International e China Harbour tem o projeto de interligar o Suriname a Manaus, incluindo um porto de águas profundas, uma rodovia e uma ferrovia, reduzindo a necessidade de navegação fluvial. A autora afirma que esses investimentos sinalizam a entrada definitiva da China na região Amazônica.
O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil China afirma que os investimentos de hidrelétricas, hidrovias e mineração na região não necessariamente estão interligados. Charles Tang diz que, na maioria dos casos, as empresas investem somente devido ao bom retorno de um projeto. Mas isso não excluiria a cooperação e parcerias estratégicas entre elas, já que todas têm o mesmo dono: o governo chinês.
Expansão chinesa
A Three Gorges já é a sexta maior operadora de energia no Brasil, com 6,895 quilowatts de capacidade instalada, o suficiente para abastecer o Estado de Pernambuco Sua expansão no Brasil deu um salto em novembro de 2015, quando ganhou a concessão das hidrelétricas de Jupiá e Ilha Solteira, que pertenciam à paulista Companhia Energética de São Paulo. A empresa chinesa pagou o valor mínimo da outorga, R$ 13,8 bilhões.
A expansão no Brasil foi rápida. A Three Gorges entrou no Brasil em 2011, e de maneira indireta. Foi quando a chinesa comprou a participação do governo português na Energias de Portugal (EDP), tornando-se a sua maior acionista, com 21,35% empresa. Assim, a Three Gorges herdou as obras de sete usinas hidrelétricas no Brasil.
Sua presença foi fortalecida em 2014, durante visita do presidente chinês Xi Jinping ao Brasil. Na ocasião, o governo chinês assinou um acordo cooperação-técnica com Eletrobras Furnas, empresa de economia mista e de capital aberto cujo controle acionário pertence ao governo do Brasil.
Foi quando se anunciou o interesse das duas empresas na hidrelétrica de São Luiz do Tapajós. Questionada, Furnas se limita a afirmar que o acordo prevê a construção da hidrelétrica de São Manoel (700 megawatts), que fica no rio Teles Pires, na divisa entre Pará e Mato Grosso. Em nota, a empresa brasileira declara que o acordo prevê “o desenvolvimento de novos projetos hidrelétricos no Brasil, bem como a cooperação técnica e a troca de tecnologias.” A empresa afirma ainda que “está prevista a possibilidade da participação de Furnas em novos empreendimentos de fontes alternativas de energia, sobretudo eólicas, no Brasil e na China.” A Repórter Brasil pediu detalhes da cooperação entre as duas empresas e o acesso à íntegra do acordo, mas a empresa alegou que, por se tratar de informações empresariais, essa é uma “exceção prevista” na lei de acesso à informação.
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