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sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Seis lideranças ameaçadas de morte


Os líderes já tiveram suas casas invadidas por policiais militares; outros, foram agredidos e até baleados
Em 19 minutos de entrevista ao Ver-o-Fato, seis lideranças que formam as 60 comunidades de Barcarena, filiadas à Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama), denunciam estar sofrendo perseguições e ameaças, inclusive de morte. Alguns desses líderes já tiveram suas casas invadidas por policiais militares; outros, foram agredidos e até baleados, como Bosco Martins Junior, um dos mais combativos dirigentes da entidade, envolvido em manifestações contra as multinacionais Norsk Hydro e Bunge.
Bosco teria sua cabeça a prêmio por R$ 150 mil, segundo mensagens postadas nas redes sociais, enquanto Maria do Socorro Costa da Silva, líder quilombola da comunidade Burajuba e presidente da Cainquiama, teve sua residência invadida na véspera do Natal pelo tenente Gama, da PM de Barcarena, e mais quatro policiais militares.
A invasão, sem ordem judicial, foi assumida pelo próprio comandante da PM no município, o coronel Camarão, que alegou, no aplicativo Whatsaap, que os militares estavam atrás de Bosco Martins Junior, que supostamente estaria envolvido em um homicídio no qual o criminoso, réu confesso, foi inexplicavelmente solto. Maria do Socorro foi taxativa: “o fiel depositário de minha vida e dos outros é o governador do Estado, Simão Jatene. Se eu for morta, o culpado será o governador”.
Segundo Socorro, as perseguições e ameaças contra os líderes comunitários acontecem porque as autoridades, que deveriam garantir a segurança dos que “lutam por dias melhores e uma vida mais digna”, estão em conluio com grandes grupos multinacionais que dominam Barcarena, poluindo o meio ambiente e envenenando a população, que respira ar contaminado e sofre inúmeras doenças.
“A nossa luta não vai parar, não tenho rabo preso com a Justiça e com ninguém. O coronel Camarão errou ao mandar invadir minha casa e deve ser responsabilizado por isso. Na verdade, os nossos direitos são aviltados há muitos anos e já fui vítima de tentativa de homicídio e tive minha casa invadida por seis vezes. Minha família está assustada e com medo”, declarou a líder quilombola.
“Não devo nada”
Bosco Junior disse que não deve nada à justiça, nem à polícia, e que a perseguição que sofre é devido a sua luta contra as multinacionais, que contratam pistoleiros e policiais para tentar calar a voz dele. “Nas comunidades não existem líderes, todos são líderes, porque sofrem os mesmos problemas de invasão de suas terras por essas empresas, que poluem rios, matas e igarapés. A água dos poços artesianos está contaminada, proliferam problemas de pele, respiratórios e câncer”, enfatizou. Para ele, a questão é simples: as comunidades, que deveriam ser respeitadas e protegidas pela polícia, são tratadas como bandidas.
Ele sintetiza o drama que vem sofrendo: “a perseguição contra mim, a dona Socorro e outras lideranças da Cainquiama é algo semelhante a uma ditadura, com uma espécie de Hitler no comando, em nome do braço armado do Estado, que dá ordens e todo mundo têm de cumprir”. Bosco diz não entender como um homicida confesso, que matou um integrante da comunidade, após a confissão foi simplesmente solto pela polícia. “Agora, eles tentam forjar coisas contra mim, querendo me vincular a essa morte, para me tirar de circulação. Hoje, o assassino, eles dizem, é que é a vítima”.
Carro prata e deboche
Liduína de Almeida, de 63 anos, outra ameaçada, é também uma das diretoras da Cainquiama. Ela relata que essas ameaças começaram a partir do momento em que a entidade ingressou na Justiça Federal contra a empresa norueguesa Norsk Hydro. “Na véspera do Natal, policiais militares entraram na minha casa à paisana, eles estavam num carro prata. Eu estava fazendo a carteirinha dos sócios da Cainquiama, quando um deles me encostou na parede e disse que eu deveria parar com meu trabalho. Debochou, botou a mão na cintura para mostrar a arma e depois foi embora no carro prata”.
Minutos depois, ao sair de sua casa, dona Liduína quase foi atropelada por um carro da prefeitura de Barcarena. “Jogaram o carro em cima de mim, mas eu pulei para o lado. Dois homens que estavam no veículo me olharam com caras de brabos e foram embora. Aquilo foi mais um recado para mim. Nos últimos dias, outro carro, de cor preta, passou a rondar minha casa, assim como gente de motocicleta. É tudo gente diferente, estranha, que ninguém da comunidade conhece”. Ela disse se sentir “muito triste” de ver que dona Socorro e Bosco sofrem perseguição implacável da polícia. “Quando estou em casa vivo trancada. A perseguição aumentou em cima de nós”, resumiu.
30 anos de degradação
Para Lindalva Almeida de Oliveira, também da diretoria da Cainquiama, não é fácil lutar contra poderosos grupos econômicos privados que se instalaram em Barcarena. “Duas motos, no sábado retrasado, estavam na porta de minha casa e também um carro. Um homem perguntou por mim e pela dona Socorro, mas um rapaz disse que nós não estávamos e eles foram embora”. De acordo com Lindalva, é clara a tentativa de intimidação contra as lideranças para que desistam da luta, o que, diz ela, “é perda de tempo, porque não vai acontecer”. Ela informou que iria viajar para a casa de um parente em Tucuruí, onde pretende ficar alguns dias, mas que voltará ainda este mês.
Morador de Vila do Conde, o líder comunitário Henrique Neri, declarou não concordar com a política do município de favorecer as multinacionais, expulsando famílias tradicionais de suas terras. “Essas pessoas merecem ter uma vida digna e decente e não viver aterrorizadas, ameaçadas de morte e perseguidas. Estou solidário aos meus amigos que sofrem essas ameaças e peço que o governador Simão Jatene tome uma providência”. Henrique explicou que já são mais de 30 anos de degradação ambiental e nenhuma assistência às comunidades por parte do município e do estado.
Ninguém faz nada
Líder da comunidade de Vila Nova de Itupanema e dirigente da Cainquiama, a senhora Ângela Vieira lamentou as perseguições, observou que as ameaças ainda não a alcançaram, mas diz estar “revoltada” porque, apesar de essas intimidações ocorrerem já há algum tempo, “ninguém faz nada por nós”. Ela chama a atenção para um fato: as ameaças aumentaram porque as comunidades estão cada vez mais unidas em torno de uma luta comum, de melhorias para todos. “Os poderosos do governo e da Justiça estão sempre ao lado das grandes empresas”, desabafou.

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