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domingo, 24 de fevereiro de 2019

A intrigante história do homem que pagou pelo próprio assassinato

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A ingenuidade do jovem amante, a frieza da esposa e a morte paga com dinheiro desviado e dado pela vítima
5h37 do dia 18 de janeiro de 2019. O comerciante Geraldo Jamil Siman Moreira, 51 anos, saía de casa, no Bairro Cidade Verde, em Cuiabá, andando em direção a um posto de combustível que fica próximo à residência, para pegar seu caminhão e ir trabalhar. Ele não sabia que seriam seus últimos passos.
Dois homens esperavam por Geraldo no portão da casa. Câmeras de segurança flagraram o homicídio e mostraram que a vítima, talvez pensando que era um assalto, colocou a mão na cabeça e deitou-se no chão. O criminoso atirou três vezes. Dois disparos acertaram a cabeça de Geraldo, que morreu ali mesmo, deitado na rua, na porta de sua casa.
A esposa dele, Danielle Reis de Souza Siman, 36 anos, estava na casa no momento do crime, tinha chegado de uma viagem horas antes e disse à polícia não ter ouvido nenhum barulho, somente os tiros, afirmando “não saber dizer a motivação do crime”.
O assassinato, no entanto, havia sido premeditado. Danielle sabia quem era o mandante – Gabriel Brito Gabiato Pires, de 18 anos – e o motivo que o levou a chegar ao ponto de mandar matar Geraldo.
Sempre segundo o que foi apurado pela polícia, a história envolve a ingenuidade de um amante que começou o relacionamento ainda na adolescência, aos 17 anos, e foi convencido de uma violência doméstica que nunca aconteceu, a frieza da esposa – que chocou os investigadores – e um marido que não sabia, mas que ao dar dinheiro para a esposa, acabou pagando por parte de seu próprio homicídio.
O relacionamento extraconjugal e a mentira
Danielle era casada com Geraldo, mas há quase dois anos se relacionava com Gabriel. A relação extraconjugal começou quando o jovem ainda tinha 17 anos. Ela criou para o amante uma imagem de boa moça e sofrida, dizendo ser vítima de violência doméstica, que os dois filhos que tinha com o marido eram fruto de um estupro e de uma bebedeira e que vivia um casamento completamente infeliz. Gabriel acreditava em tudo.
“Ela falava que não tinha nada com o marido dela, que o primeiro filho foi fruto de estrupo e o segundo porque ela bebeu e nem sabia que eles tinham transado. Falava para o Gabriel que ela era vítima de violência doméstica, que ele agredia muito ela, que ele ameaçava, que deixava ela presa no quarto, essas coisas todas”, disse a delegada Eliane de Moraes, responsável pelas investigações do caso.
O rapaz se apaixonou perdidamente, passou a sentir dó da amante e raiva do marido dela, que na cabeça de Gabriel agredia a mulher que ele amava. Depois de descoberta, Danielle confirmou o relacionamento com o amante e que tinha inventado as agressões e várias outras coisas.
“No interrogatório dela, ela falou que falava para ele que não poderia se separar do marido, porque eles tinham um contrato, que ela tinha que pagar R$ 150 mil se eles se separassem, mais os cartões dele, que ela ia ficar com essa dívida, por isso ela não podia se separar dele. E isso tudo era uma invenção dela para o Gabriel, mas ele achava que era verdade”, contou a delegada.
Com as mentiras, Gabriel adquiriu muita raiva e logo no início do relacionamento passou a dizer que iria matar o marido da amante. Danielle, segundo a delegada Eliane de Moares, em momento algum tentou tirar realmente a ideia da cabeça do jovem, limitando-se a dizer que se ele matasse seria preso e não teria ninguém para cuidar dela.
“Mas em nenhum momento foi enfática de tirar isso da cabeça dele, porque se ela quisesse, ela poderia fazer isso, porque ela tinha total domínio sobre o rapaz, ela poderia falar para ele: ‘não vou ficar com você se você matar, você vai matar o pai dos meus filhos’, e de alguma forma tirar da cabeça dele, mas ela não fez nada nesse sentido”, afirmou a delegada.
A ilusão e a inocência
A delegada Eliane e a equipe de investigação se espantaram com tamanha ingenuidade do mandante do assassinato. Ao LIVRE, ela relatou que o rapaz idealizava uma relação perfeita, tendo como referência os pais, e achava ter encontrado essa relação em Danielle.
Filho único de um casal que passou a vida inteira juntos, ele via os pais viverem muito bem, embora tenham passado tantos anos juntos. Até hoje os dois são muito apaixonados e vivem como se tivessem acabado de se conhecer, o que inspirava no filho o sonho de viver uma relação assim.
“E ele viu esse tipo de relacionamento nela, por ser uma mulher mais madura, não era só sexo. Ela compartilhava muita coisa da vida dela com ele, então ele se viu na mesma situação dos pais. Ele viveu uma completa ilusão por um ano e pouco. É muito triste”, contou a delegada.
As mentiras de Danielle para Gabriel chegaram ao ponto de fazê-lo acreditar que ela realmente só teria vivido experiências sexuais nas duas vezes que os filhos foram concebidos – o estupro e a bebedeira que nunca aconteceram. Ela chegou a fingir ter um laudo médico que comprovava que ela só tinha feito sexo essas duas vezes e ele acreditou. A possibilidade de existência do laudo precisou ser desmentida para ele pela equipe da Polícia Judiciária Civil.
Apesar de fingir tamanha inocência, Danielle vivia uma vida sexual muito ativa tanto com o marido, quanto com o amante, comprovada nas investigações através dos celulares dos três.
“Ele [Gabriel] era menino bem-criado, estudava na escola militar. Só trabalhava o dia todo, porque eles eram donos do mercado, e em mercadinho de bairro eles trabalham muito. Mas ele se apaixonou por ela, ficou muito apaixonado. E como ela ficava inventando essa história toda, ele se sentiu protetor dela, ele achou que ele tinha que fazer alguma coisa”, relatou a delegada, contando que, no dia da entrevista ao LIVRE o pai de Gabriel, uma pessoa simples e trabalhadora, tinha ido à delegacia chorando.
O pagamento pela morte
Com o relacionamento durando e Gabriel acreditando que Danielle não poderia se separar, os dois passaram a juntar dinheiro para fugir juntos. Ao todo juntaram R$ 11 mil.
Gabriel afirmou para a Polícia Judiciária Civil que juntou R$ 5 mil fazendo quebra de caixa no mercadinho dos pais, tirando o dinheiro aos poucos, o que – apesar de ainda não confirmado – a delegada desconfia talvez não ser verdade.
“Nós ainda não confirmamos, mas pelo que estamos fazendo levantamento, não era o suficiente para o que ele falava que pegava, R$ 100, R$ 200, não dava para juntar tudo isso de dinheiro [R$ 5 mil]. Aí não sabemos ainda se o dinheiro era mais dela, ou não”, disse a delegada.
Já Danielle mexia com toda a parte financeira da empresa do marido, que comercializava carnes. Era ela quem fazia pagamentos, resolvia tudo com o contador e tinha acesso a todo o dinheiro. Além disso, Geraldo também dava dinheiro para ela.
“E ela foi juntando dinheiro que o marido dava e do que desviava da contabilidade que fazia para ele das coisas que ele vendia”, afirmou a delegada.
Em determinado momento, Gabriel e Danielle se separaram e o rapaz ficou enlouquecido com o término. Porém, como não tinha como guardar os R$ 11 mil que haviam juntado dentro de sua casa, entregou todo dinheiro para ela.
A separação durou apenas poucas semanas e logo os dois reataram, momento em que – segundo conversa encontrada pela equipe de investigação da Polícia Judiciária Civil no WhatsApp dos amantes – Danielle disse mais uma vez para Gabriel que o marido a havia trancado no quarto e tomado o celular.
“Ai ele pensou: ‘essa é a hora que eu tenho que fazer alguma coisa’. Ai ele foi lá, pediu para ela R$ 5 mil, porque o dinheiro estava com ela, e ela entregou falando: ‘você vai fazer besteira, né?’ E ele falou: ‘vou, você sabe que sim’. Aí ela balançou a cabeça que sabia”, contou a delegada Eliane.
Danielle imediatamente arrumou um jeito de viajar e saiu de casa, passando uma semana em Curitiba (PR). A morte estava prevista para acontecer quando ela não estava em casa. Os executores chegaram a ir até o local no dia 17 de janeiro, mas Geraldo foi trabalhar mais tarde e não foi pego.
“Era para ele ser morto quando ela estivesse viajando ainda. Eles foram um dia, no dia 17, quando ela estava viajando, mas não conseguiram matar o Geraldo. Aí, no dia 18, quando o mataram, ela tinha acabado de chegar. Chegou de madrugada mais ou menos e, quando foi 5 horas e pouco, eles mataram o marido dela”, contou a delegada.
Os executores foram pagos com o dinheiro da planejada fuga dos amantes, juntado parte pelos desvios do jovem do mercadinho do pai, parte pelos desvios da esposa da empresa do marido e parte pelo dinheiro que a própria vítima dava à sua mulher.
A tentativa de acobertar e a entrega dos culpados
Danielle não se tornou suspeita de imediato e Gabriel não era nem ao menos presente na história no início das investigações. No boletim de ocorrência registrado no dia do homicídio, consta que “segundo os vizinhos, parentes e demais pessoas que ali se encontravam, a vítima não tinha nenhuma rixa ou inimigos. A esposa relata que não ouviu nenhum barulho exceto o dos disparos e não sabe dizer a motivação do crime”.
A delegada Eliane de Moraes relatou que as investigações apontavam que Geraldo não tinha inimizades. Amigos, familiares e conhecidos falavam bem dele e tudo que ele comprava era à vista, indicando que não tinha nenhuma dívida.
Mas um detalhe chamou atenção da equipe investigadora: todas as pessoas relatavam que a vida amorosa de Geraldo era conturbada e ele pretendia se separar, enquanto Danielle disse o contrário, que tudo estava perfeito e não tinha motivo algum para uma separação.
“Então nós tínhamos depoimentos de pessoas que falavam coisas contrárias. Aí a gente já começou a duvidar dela, só que até então a gente não conseguia ligá-la ao crime”, disse a delegada.
A história começou a ganhar forma quando a motocicleta utilizada para a fuga dos executores foi identificada e a Polícia Judiciária Civil chegou a Atailson Espírito Santo, 27 anos, o piloto da fuga.
Ao ser preso, Atailson identificou quem seria o homem que atirou e quem pagou pelo crime. Foi quando o nome de Gabriel apareceu pela primeira vez. A delegada Eliane pediu a prisão do jovem mandante e, já na delegacia, ele seguiu tentando defender a amante, se negando a ligá-la à morte.
Mais tarde, porém, ao verificar o celular dele, a Polícia Civil descobriu que ele e Danielle combinaram que, se ele fosse preso, ela esperaria ele cumprir a pena e, quando ele saísse, os dois voltariam a ficar juntos.
“Ele só falou depois que ele realmente ficou preso e a família falou com ele, aí que ele caiu em si, viu o que tinha acontecido e resolveu falar. Foi quando ele descobriu que tudo que ela falava era mentira. Até esse momento ele ainda acreditava em tudo”, disse a delegada.
A ingenuidade de Gabriel chocou a equipe de investigação – e a frieza de Danielle também. “Em nenhum momento ela disse que estava arrependida, ela é bem fria. Já ele estava naquela situação de que não tinha caído a ficha, não tinha entendido que ele estava preso e aquela situação era concreta”, lembrou Eliana de Moraes.
Questionada se acreditava que Gabriel era controlado por Danielle, a delegada que ouviu aos dois e ao piloto da motocicleta foi enfática: “Ela o controlava”.

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