Cerca de 43.700 toras de madeira estão dispersas por diversas esplanadas (pátios de madeira) ao longo dos rios Mamuru e Arapiuns
Uma operação da Polícia Federal na divisa do Pará com o Amazonas culminou na maior apreensão de madeira nativa da história do Brasil. Ao longo dos últimos dias, os agentes retiveram 131,1 mil metros cúbicos de toras, volume suficiente para a construção de 2.620 casas populares. A informação é do jornalista Fabiano Maisonnave, da Folha de S. Paulo.
As 43.700 toras, segundo o jornal, estão dispersas por diversas esplanadas (pátios de madeira) ao longo dos rios Mamuru e Arapiuns, uma região de 20 mil km2, tamanho comparável a Sergipe.
O cálculo da apreensão é preliminar e considerado conservador pela PF. Haverá uma perícia mais apurada nos próximos dias com o apoio do Exército, no marco da Operação Verde Brasil 2.
O Ministério Público Federal acompanha a operação por meio do procurador da República Leonardo Galiano, que visitará a região nesta semana.
“É uma área que estava sofrendo uma devastação irracional, que de forma alguma pode ser chamada de manejo florestal”, afirma o superintendente da PF no Amazonas, Alexandre Saraiva, comandante da operação. “O comércio ilegal de madeira sofrerá um baque muito grande com esse trabalho.”
Nome da operação
A operação foi batizada de Handroanthus GLO, que une o nome científico do ipê, a árvore mais cobiçada pelos madeireiros na Amazônia, à sigla da Garantia da Lei e da Ordem, o marco legal que autoriza o emprego das Forças Armadas no combate a crimes ambientais na Amazônia.
O recorde de apreensão havia ocorrido em 2010, quando foram apreendidos cerca de 65 mil metros cúbicos na Reserva Extrativista (Resex) Renascer, também no oeste do Pará. O volume é a metade do que foi retido na semana passada.
A operação começou após a apreensão de uma balsa com 3 mil metros cúbicos de madeira com documentação irregular no rio Mamuru, município de Parintins (AM), em 16 de novembro. As toras haviam sido extraídas no Pará, mas, para transportá-las, é preciso passar pelo estado vizinho.
A partir das informações obtidas sobre a origem das toras, a PF analisou imagens de satélite da região via sistema Planet, de alta precisão. Em seguida, policiais fizeram um sobrevoo de helicóptero, que filtrou os pontos de interesse de 120 para 40 locais, com quantidades de madeira variando entre 10 mil metros cúbicos e 30 mil metros cúbicos.
“Tudo isso é resultado das novas tecnologias, uma inevitabilidade histórica. Não há mais como voltar ao tempo em que se podia saquear a Amazônia impunemente, contando com o tamanho da floresta”, diz Saraiva. “Sem o Planet, não teríamos esse alcance todo.”
Para o delegado, o Planet, uma empresa privada, tem uma função complementar ao monitoramento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), do governo federal.
“No Inpe, o foco é a detecção, a estatística, estudo, políticas de governo, tem imagens antigas. Por outro lado, Planet nos dá agilidade, é voltado ao trabalho policial. É uma ferramenta de investigação não só para o meio ambiente e fornece uma resolução temporal de no máximo 24h de toda a Amazônia.”
Apesar de ser uma região com vários planos de manejo florestal, autorização concedida pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará, nenhum madeireiro procurou a PF até agora com documentação que comprove a origem legal. É indício sério de quem tem coisa muito errada”, diz o delegado.
Logística e leilão da madeira
O desafio agora será transportar todas as toras, uma logística de alta complexidade que deve levar semanas. Saraiva defende que a madeira seja doada para fins públicos.
“O que não se admite é o leilão para essas madeiras. Isso seria muito ruim porque estaríamos legalizando o ilegal. Os próprios infratores, por meio de interpostos, poderiam adquirir essa madeira e ficariam com um documento de origem lícita que poderiam usar até com outras madeiras.”
Saraiva e o procurador Galiano trabalharam juntos também na Operação Arquimedes, que apreendeu 9 mil metros cúbicos de madeira serrada no porto de Manaus. As investigações, iniciadas em 2017 e feitas em conjunto com o Ibama, revelaram o envolvimento de 63 empresas e de funcionários públicos para esquentar a extração ilegal de árvores em Rondônia, em Roraima e no Amazonas.
Nas duas investigações, as organizações criminosas de madeira aparecem se beneficiando de fraudes nos DOFs (Documentos de Origem Florestal) para esquentar madeira. A guia é obrigatória para o transporte de madeira no país, sejam toras ou já beneficiadas.
O documento é emitido pelo Ibama e por dois estados que possuem sistemas próprios, Pará e Mato Grosso. Na avaliação de ambos, o maior controle do setor madeireiro passa necessariamente pelo aprimoramento do sistema. “O principal insumo para a tentativa de introdução de madeira ilegal é o DOF”, afirma Galiano.
O combate à madeira ilegal foi o tema principal de uma reunião do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com Galiano, Saraiva representantes do governo estadual e empresários. O encontro ocorreu em Manaus na quarta-feira (16).
Dois dias depois, o Ibama enviou ofícios aos governos do Mato Grosso e do Pará cobrando a integração dos sistemas estaduais de controle de origem de produtos florestais ao DOF em um prazo de 90 dias. A medida está prevista no Código Florestal de 2012, mas até hoje não foi implementada.
Caso os dois estados não realizem a integração dentro do prazo, o Ibama informou que fará o bloqueio imediato de emissão de documentos em ambos estados.
Com experiência de dez anos na Amazônia, Saraiva assegura que os processos administrativos fraudados são o principal responsável pelo desmatamento ilegal.
“Sem o DOF, não dá pra fazer o desmatamento. É como carro roubado. Se alguém tem 10% de carros lícitos e 90% de carros ilícitos e conseguir legalizar todos, vai vender por muito caro. Mas cada carro tem um processo no órgão de trânsito. Para a madeira, não: um processo pode legalizar 20 mil metros cúbicos de madeira. É preciso fazer auditorias nesses processos em áreas federais onde o desmatamento é alto.”
“O desmatamento de hoje foi autorizado e incentivado por processos de décadas atrás. São anos de descontrole, com a concessão de autorização de corte de floresta. A maioria foi aprovada sob o argumento falso de que iria implementar, além do plano de manejo, agricultura ou gado. Isso não é compatível com o que a gente encontra no local.”
Com informações da Folha de S. Paulo
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