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domingo, 15 de julho de 2012

Mal das pernas

Mesmo com R$ 20 bilhões, reforma agrária empaca

Mesmo com R$ 20 bilhões, reforma agrária empacaA reforma agrária do governo federal, no Pará, continua mal das pernas. A doença que paralisa suas ações chama-se ineficiência, já foi diagnosticada há décadas, e acomete o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O governo teima em não fazer o tratamento adequado para curar a doença, já gastou mais de R$ 20 bilhões no Estado na criação de assentamentos, repasse de dinheiro para moradia, alimentação, estradas e educação, além de custos com desapropriações de fazendas, mas o paciente não melhora. A medicação cuida dos efeitos e não ataca as causas.
Os equívocos se acumulam, provocando a reação do Ministério Público Federal (MPF), que desde 2007 já moveu onze ações judiciais contra o Incra por desvio de recursos, assentamentos “fantasmas”, fraudes na aplicação de créditos e outros crimes. Procuradores da República batem duro no desperdício do dinheiro público, na corrupção, na fiscalização deficiente, além da degradação ambiental.
Com ou sem o título da terra nas mãos, famílias sobrevivem sob barracas de lona, em locais de difícil acesso, carentes de estrada, escola, posto de saúde, telefone e iluminação. Os que deveriam ser beneficiados por um programa de justiça social mal conseguem produzir alimentos para a própria subsistência.
No meio dessa roda-viva surgem espertalhões que ganham dinheiro desviando créditos oficiais para os próprios bolsos. Tudo sob as bençãos de uma realidade assustadora: não há ninguém na cadeia.
A dose perfeita da violência no campo: muita terra disponível, ineficiência dos assentamentos, comercialização ilegal de lotes, invasões, acirramento de conflitos com fazendeiros. Nos últimos anos, 212 pessoas foram assassinadas em conflitos agrários na região sudeste do Estado. Exemplo mais perverso foi o do casal de extrativistas José Cláudio e Maria do Espírito Santos, no assentamento Praia Alta Piranheira, em Nova Ipixuna.

DISPUTA
A disputa por lotes na localidade Maçaranduba II, onde um dos acusados, com o objetivo de ampliar a sua criação de gado, teria adquirido ilegalmente dois lotes no assentamento, foi a causa do crime. Um desses lotes era ocupado por três famílias lideradas pelo casal de extrativistas. No inquérito aparecem depoimentos e informações que atestam a ilegal comercialização (e reconcentração) de lotes contíguos por parte dos acusados.
A reconcentração de lotes, decorrente da venda ilegal de terras da União, de acordo com levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), confirmado pelo próprio Incra e pela Ouvidoria Agrária do Pará, é uma das principais causas dos conflitos e das mortes. Em 2009, o Incra admitiu em publicação que o número de lotes reconcentrados dentro de assentamentos “pode chegar a 15.000 unidades, superando até a quantidade de famílias acampadas atualmente na região, cerca de 11.000”.
ACUSAÇÃO
Por conta disso, o MPF acusa o Incra de “recalcitrante omissão”, e de desembolsar cifras consideráveis na desapropriação de imóveis particulares, ao invés de investir em ações concretas visando regularizar a situação ocupacional dos projetos de assentamento- o que permitiria a retomada de lotes indevidamente ocupados e reconcentrados para promover o assentamento de milhares de famílias – e na infra-estrutura dos projetos de assentamento da região, cuja precariedade estimula sobremaneira o abandono, o comércio ilegal e a consequente reconcentração ilegal de lotes.
A situação ocorre em quase 500 assentamentos. Se houvesse a pronta intervenção do Incra, milhares de lotes - já demarcados, inclusive – seriam retomados e reutilizados para promover o assentamento de inúmeras famílias, o que, por certo, tornaria desnecessária a desapropriação de imóveis particulares para fins de assentamento, proporcionando uma economia considerável de recursos utilizados para indenizar os titulares dos imóveis desapropriados. A Justiça Federal de Marabá tem esses números e eles revelam a face de um monumental desperdício de dinheiro.
Conclusão do MPF: são pouquíssimos os casos e os projetos de assentamento em que o Incra fez corretamente o levantamento ocupacional. Um número insignificante diante do universo de 500 áreas literalmente abandonadas.
O Incra de Marabá, procurado pelo DIÁRIO, não quis se manifestar sobre as denúncias do MPF. Já o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) informou que os entraves que ainda existem no programa de reforma agrária são poucos e estão sendo resolvidos. No ano passado, de acordo com o MDA, foram assentadas 22.600 famílias em todo o país, número que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), considera “vergonhoso”. No caso do Pará, o Ministério diz que os assentamentos estão recebendo novas moradias e condições adequadas para os agricultores e seus familiares.
Recentemente, o Incra de Marabá entregou 113 casas nos assentamentos Raio de Sol I e II, no município de Pacajá. A entrega das habitações faz parte da primeira etapa do contrato de construção realizado entre as associações de assentados dos seis núcleos dos assentamentos e uma construtora do município de Marabá. As casas, feitas em alvenaria, possuem quatro cômodos: uma sala, dois quartos e uma cozinha, além do banheiro.  
O silêncio como resposta em vários pedidos do MPF
Vários procedimentos administrativos do MPF de Marabá foram tomados para apurar esse tipo de sangria dos cofres públicos. Um deles envolve Miguel Gomes Siqueira, conhecido por “Miguel Pernambuco”, no projeto de assentamento Cinturão Verde I, o que estaria inclusive impedindo a instalação dos postes de iluminação do programa do governo federal Luz para Todos. A procuradoria requisitou ao Incra informações e realização de vistoria no local apontado onde estaria ocorrendo a concentração de lotes destinados à reforma agrária. Não houve resposta do Incra.
Outro pedido de informações, também sem resposta, foi remetido ao Incra com base em declarações prestadas por um lavrador acerca do conflito agrário existente entre ele e um homem conhecido por Agripino, com possível envolvimento de servidores do Incra. No curso do procedimento, passou-se a apurar a reconcentração de lotes dos projetos Maravilha e Cabanagem.
LOTES
Outro agricultor, que há seis anos reside na área conhecida por Volta do Tapirapé, motivou outro procedimento do MPF, ao informar que, apesar de ainda não ter sido devidamente assentado no local, o fazendeiro José Lira, que não é cliente da reforma agrária, possui vários lotes no assentamento. A ilegalidade seria de conhecimento de servidores do Incra. A procuradoria da República requisitou ao Incra providências, mas o órgão respondeu de forma insatisfatória, informando que havia realizado vistoria nos lotes. Apesar disso, não tomou qualquer medida para regularizar a situação.
Em um ofício enviado ao MPF, a Associação Vitória do Araguaia informou que havia pessoas não habilitadas a receber lotes da reforma agrária, ocupando terras irregularmente nos assentamentos Campo Alegre, Pau Brasil e Airton Sena. O Incra prestou informações, em maio de 2009, afirmando que tinha ciência da concentração de lotes no assentamento e que estaria incluindo os projetos de assentamento no cronograma de ações de retomada, prometendo encaminhar os relatórios ao MPF. Os documentos não foram enviados e nem apresentadas informações complementares .
TALISMÃ
Outro inquérito civil público foi instaurado a partir de denúncias de assentados sobre venda e reconcentração de lotes no assentamento Talismã. Foi requisitado ao Incra que procedesse a um levantamento dos lotes reconcentrados ou indevidamente vendidos. Também não houve resposta. O mesmo ocorreu em outro inquérito, a partir de representação feita pelo movimento Luta pela Terra São Francisco de Assis. A intenção era fazer o Incra retomar lotes vendidos no assentamento Tartaruga. Nessa área, 30 lotes estavam em poder de “laranjas” de fazendeiros.
Nos assentamentos Hamilton Cordeiro Celso, Conceição e Rio Preto, as irregularidade com lotes são gritantes, segundo a Associação dos Pequenos Trabalhadores Rurais Regionais do Sul do Pará. O Incra foi provocado a fazer uma vistoria na área, mas não deu resposta ao MPF. Mais denúncias que redundaram em inquéritos: fazendeiros ocupam irregularmente lotes no assentamento São Pedro II, em Santa Maria das Barreiras. Provocado, o Incra realizou vistoria no local, confirmando a denúncia. Quanto às providências, não há nenhuma notícia.
1- Custos da reforma agrária no Pará: R$ 20 bilhões.
2- Lotes de terra vendidos e reconcentrados em assentamentos: 15.000
3- Número de famílias acampadas à espera de terra no sul/sudeste do Estado: 11.000.
4- Se os lotes irregulares fossem retomados pelo Incra daria para assentar todas as famílias acampadas e ainda sobrariam mais 4.000 lotes
5- Principais problemas da reforma agrária paraense: ineficiência do Incra, desperdício de recursos, corrupção e degradação ambiental

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