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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Santarém, cidade modelo. Por que não?


Por Manuel Dutra
Esta cidade existe com a marca de seus artistas plásticos, compositores eruditos e populares, jornalistas e poetas, com a expansão de seu polo universitário e de suas bibliotecas. A moldura é o encontro do Amazonas com o Tapajós.
Foto: Blog do Jeso, 25.02. 2013
A primeira parte do título deste artigo pode soar estranha. Mas a segunda parte, a das possibilidades, não me parece estranha, haja vista a presente mobilização de milhares de pessoas na cidade e no seu entorno em defesa do respeito que a cidade merece. A brutal agressão das margens da Rodovia Fernando Guilhon, pela especulação imobiliária, sentiu o baque do grito de uma população que já não suporta a destruição de uma das mais antigas e belas cidades da Amazônia.

Hoje, esse mutirão em defesa da seriedade pública é exemplo para tantas outras cidades da região, agredidas, em silêncio, por aventureiros sem o menor compromisso com as cidades infelizmente brutalizadas.

Sinal positivo
Por que, então, não avançar? Nenhum governo, aqui ou em qualquer lugar do mudo, agirá plenamente em favor da coletividade a não ser debaixo de pressão social. O fato de o prefeito Alexandre Von ter cancelado parte das licenças à empresa Buriti é sinal positivo, inclusive porque, com um ato administrativo, ele derrubou a decisão do TJE que mandou prosseguir a obra ilegal.
Santarém, como cidade, não pode assistir ao espetáculo de sua destruição. Ao contrário de mau exemplo, esta cidade pode tornar-se um modelo.

Poucas cidades no mundo talvez possam ufanar-se de possuir tantos atributos de beleza e cultura. Qual cidade, no planeta, é banhada, ao mesmo tempo, pelo maior rio do mundo, o Amazonas, e pelo decantado Tapajós, um dos mais belos e enigmáticos rios do Brasil? Natureza e cultura esta cidade e esta região têm de sobra.
Versos, plástica, universidades
Santarém só pode existir ao som das melodias do maestro Wilson Fonseca, com os versos de Emir Bemerguy, com a plástica de Laurimar Leal, Dona Dica Frazão e Elias do Rosário, com o acervo cultural ímpar do bibliófilo Cristóvam Sena, com o Bosque Santa Lúcia de Steven Alexander, o Bosque da Cidade, a Biblioteca Municipal, a beleza do recém-reconstruído Teatro Vitória, o Museu João Fona. E o Sairé, sim o Sairé da decantada Alter do Chão... E não pode existir sem a marca de tantos artistas plásticos, compositores populares, cantores, escritores, jornalistas e poetas cuja relação é tão grande que não recordo todos aqui, aos quais peço desculpa até por estar longe do dia a dia de Santarém já há mais de duas décadas.
Santarém é hoje um destacado polo universitário, com cinco instituições, entre elas a Universidade Federal do Oeste do Pará, o Núcleo da Universidade Estadual do Pará, além de outras três particulares. O turismo se incrementa, mas atenção, a maioria dos turistas não viaja para ver "points", ou seja, "pontos turísticos", mas para conhecer cidades, povos e a sua cultura e também as belezas naturais.
Igualmente Santarém não pode existir sem o Tapajós ora verde esmeralda ora azul, cristalino e transparente com os seus 16 quilômetros de largura próximo ao local onde deságua no Amazonas, na frente da cidade, em espetáculo intermitente. Nem sem a riqueza de seus peixes, da miríade de seus furos e igarapés. Santarém tem as duas coisas que fazem a vida de um povo: natureza e cultura.
Paragominas, exemplo a seguir
Santarém só existe com a sua história, que começou bem antes da chegada dos europeus à confluência dos dois grandes rios, no século 17. Antes, aqui dominava um povo bravo, os Tupaiú, com seu exército de gente valente que resistiu à conquista do invasor. Que cultivava a terra, com seus imensos roçados de milho, banana e algodão, como descreve Betendorf, o jesuíta que veio consolidar a conquista europeia. É esse imenso acervo acumulado que ganha moldura entre as belezas naturais intermináveis.
Há 15 anos, a cidade de Paragominas era considerada uma das piores da Amazônia, ambiente devastado, ruas e praças desarborizadas, um lugar feio e inóspito. Mas o povo e as autoridades de Paragominas decidiram reconstruir a sua autoestima, investiram amor em seu rincão e hoje aquela cidade do sudeste paraense é considerada um modelo de reconstrução, de traçado urbano verde e aconchegante, o calor minimizado pela densa arborização. Como conseguiram? Através de muitas ações, mas antes de qualquer coisa, decidiram querer realizar a mudança que hoje turistas vão presenciar e admirar a Cidade Verde, um exemplo para tantas outras.

Alexandre Von pode liderar
Assim como Alexandre Von tomou coragem de atender ao pleito popular, mandando paralisar a "obra" da Buriti, bem que o novo prefeito poderia assumir a liderança dessa mudança, uma liderança que vá além dos afazeres burocráticos dentro de um gabinete, encarando a sociedade e convidando a todos os santarenos para uma nova empreitada que ultrapasse a lenga-lenga dos políticos quando falam em "obras e serviços".

A grande obra de um prefeito é contribuir, e mesmo liderar a sociedade por ele governada, na construção de uma cidade e de um município onde as pessoas do lugar sintam alegria de viver e trabalhar, e tenham orgulho de afirmar: aqui há bem-estar, é gostoso caminhar por nossas ruas, nossos filhos têm um futuro.
As formas de mobilização podem ser muitas, iniciando com a convocação das forças organizadas da sociedade para o estabelecimento de uma agenda comum, que envolva criativamente o poder público e os cidadãos. Uma primeira iniciativa seria um vasto mutirão de limpeza da cidade, num processo em que essa tarefa não fique tão somente a cargo da prefeitura e que seja um momento de educação coletiva das autoridades e do povo. Com uma cidade limpa, a autoestima logo retornaria e todos se veriam compelidos e não espalhar a sujeira pelas ruas e praças.
Prefeitura e Povo
Um segundo momento seria a criação de uma lei inovadora obrigando as empreiteiras vencedoras de projetos de pavimentação para que, junto com o asfalto, além do esgotamento de águas pluviais, plantem árvores a cada dez metros de pavimentação. 

A partir de iniciativas aparentemente simples, outras medidas mais arrojadas seriam tomadas, como a discussão de uma nova lei, igualmente inovadora, a fim de que Santarém seja dotada de um Plano Diretor Urbano de longo prazo, com regras claras, cuja aplicação seja vigiada por um conselho de cidadãos, juntamente com a Câmara de Vereadores.
Estas coisas são difíceis? Impossíveis? As respostas só poderão ser dadas depois, já que não podemos afirmar que seja difícil ou impossível algo que nunca tentamos. Ou fazemos agora, ou Santarém enfrentará problemas ainda mais graves do que hoje enfrentam cidades como Belém e Manaus, onde a vida se torna cada dia mais dramática, tantos são os problemas não resolvidos a tempo.
Nós podemos, sim, ser um modelo amazônico de cidade dentro da natureza e cheia de vida e cultura.
* Jornalista, professor na UFPA, em Belém, e na UFOPA, em Santarém

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