Trocas de mensagens e depoimentos reunidos no inquérito da Operação Akuanduba mostram que madeireiros investigados por uma série de crimes ambientais ironizavam a apontada subserviência do então superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Pará, Walter Mendes, no governo de Jair Bolsonaro (PL). Ao mesmo tempo que era ridicularizado pelos empresários, Mendes se valia da “intimidação e truculência” com os próprios fiscais ambientais do órgão, como forma de evitar ser delatado, segundo as investigações.
Coronel aposentado das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota), grupo de elite da Polícia Militar (PM) de São Paulo, Mendes foi colocado no cargo para atuar como uma espécie de xerife local do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ambos viraram réus na semana passada, acusados pelo Ministério Público Federal (MPF) de pertencimento à organização criminosa e crime ambiental.
A Polícia Federal (PF) obteve conversas de 20 de janeiro de 2020, quando três contêineres de ipês e jatobás amazônicos estavam retidos nos Estados Unidos por falta de documentação. Na ocasião, Roberto Pupo, então presidente da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Estado do Pará (Aimex), se movimentava nos bastidores para liberar a carga, em estratégia que envolveria inclusive aliciar agentes de fiscalização, diz o inquérito.
No dia 28 de agosto, Salles, que hoje é deputado federal por São Paulo, virou réu acusado de crime ambiental, advocacia administrativa, contrabando e pertencimento à organização criminosa Reprodução
Desculpas pela c@gada
Mesmo mal-intencionado, Pupo, falecido em 2021, se espantou com a postura do superintendente do Ibama, que, diz ele, pediu perdão pelos entraves enfrentados no trânsito da madeira ilegal. “Pessoal, se eu contar para vocês que o novo superintendente do Ibama pediu desculpas pela ‘c@gada’ criada com a falta de emissão das autorizações, vocês acreditam?”
Em um grupo de mensagens, mais abismado ainda, ele complementa: “E se eu disser que o novo sup. vai emitir por conta própria e por dever do ofício as autorizações dos contêineres que estão navegando ou já chegaram no destino que tiveram seus pedidos de autorização protocolados no prazo?”. Como registraram os policiais, legalizar cargas já despachadas do Brasil era uma prática irregular.
Subordinação do Superintendente
Na denúncia oferecida à Justiça Federal de Belém, o MPF afirma que “a conduta de Mendes surpreendeu até mesmo os agentes privados envolvidos”, “que reafirmam não só a influência do setor sobre o superintendente, como a sua promessa em autorizar a exportação de madeira já exportada, incluindo as detidas no porto de destino”.
Os procuradores registram que “existe uma conotação de subordinação do superintendente com Pupo, quando este afirma que aquele pediu desculpas pela ‘cagada’ de não emitir autorizações de exportações de carga já enviada ao exterior”.
Como demonstrou a PF, o lobby dos madeireiros vingou e foi adiante, com o Ibama tendo emitido, posteriormente, novas normas que “lavariam” as madeiras apreendidas ilegalmente no exterior. Ao longo desse processo, diz o MPF, o PM da Rota “emitiu uma série de documentos fraudulentos e ideologicamente falsos”. Por isso, ele teria sido inclusive promovido por Salles a coordenador-geral de Fiscalização Ambiental de Proteção Ambiental do Ibama.
“Vai dar tiro, Vai matar”
Em depoimentos colhidos durante a Operação Akuanduba, servidores falaram ainda sobre uma reunião de agosto de 2020, quando autoridades norte-americanas se mobilizavam para aprofundar uma investigação do ocorrido — e tentar averiguar se a brecha na fiscalização não seria algo institucionalizado e com repercussões mundiais. Nesse encontro, o PM teria feito supostas ameaças a um servidor, para que ele levasse o recado aos demais. Segundo esse depoente, Mendes disse que, “se algum filha da puta enfiar o dedo no meu c*, a gente vai tirar do caminho, vai dar tiro, vai matar”. Depois, retirou-se da sala.
A pessoa que ouviu a declaração disse ter pensado em denunciar o ocorrido, mas ficou com medo de represálias. Quando o episódio começou a circular entre os fiscais do órgão, houve o comentário de que a frase não teria sido uma intimidação – seria apenas o jeito de um policial da Rota. De acordo com entendimento do MPF, “para se proteger, Mendes resolveu se valer da intimidação e da truculência”. Hoje, ele é réu por desacato, falsidade ideológica, advocacia administrativa e pertencimento à organização criminosa.
A reportagem tentou entrar em contato com o militar, mas não teve sucesso. O espaço segue aberto para manifestações.
Embate entre PF e MPF
Como mostrou o Metrópoles em reportagem publicada no dia 5 de setembro, dois depoimentos colhidos na mesma data, nos últimos dias da gestão do ex-presidente Bolsonaro e após o inquérito da operação tramitar por quase dois anos, criaram uma divergência entre a PF e o MPF em um evento determinante para comprovar, no inquérito do caso, a liderança de Salles em uma suposta organização criminosa envolvida com a exportação ilegal de ipês e jatobás.
O embate reside sobre a presença de Salles em uma reunião com madeireiros interessados em liberar cargas retidas nos Estados Unidos. O político, que hoje é deputado federal pelo PL de São Paulo, disse à PF que não participou do encontro, em versão sustentada pela PF no relatório da investigação apresentado aos procuradores. Já o MPF diz que o ex-ministro mentiu sobre o episódio e esteve, sim, no evento.
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