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terça-feira, 27 de agosto de 2013

Império da corrupção: MPF investiga controladora de hospitais paraenses, entre elas, a Pró-Saúde


Hospital regional de Santarém, organização social da Pró-Saúde

A organização social Pró-Saúde mantém um verdadeiro império no Pará no controle dos principais hospitais regionais do Estado, que rende a OS R$ 265 milhões por ano e fortes indícios de superfaturamento de serviços pagos com verbas públicas.
Ao invés da Pró-Saúde aplicar dinheiro que recebe exclusivamente na saúde da população das regiões em que atua com a compra de medicamentos, material técnico, insumos, gases medicinais e procedimentos cirúrgicos, paga empresas prestadoras de serviço de outros estados com verbas de custeio, num flagrante desvio de finalidade.
A Pró-Saúde desembolsa somas consideráveis para empresas de outros estados para realizar a acreditação de seus exames, exigidos por normas da Agência Nacional de Saúde (ANS). O DIÁRIO teve acesso a duas notas fiscais emitidas pela Gestão Consultoria Ltda., localizada na cidade de Montes Claros (MG), contra a Pró-Saúde. A primeira, de 30 de outubro do ano passado no valor de R$ 36.478,95; e a segunda emitida em março desse ano, no mesmo valor. Ainda não se sabe da necessidade desse serviço, já que apenas três laboratórios paraenses têm o certificado de acreditação emitido pela Sociedade Brasileira de Patologia Clínica.
Inquéritos busca apurar a existência de possível desvio de verba pública e sobrepreço na contratação pela Pró-Saúde da empresa DNMV-S.S-MV Sistemas.
A Cironco Clínica Médica de Cirurgia Oncológica Ltda., da cidade de Porto Alegre, por exemplo, ganhou R$ 30 mil da Pró-Saúde em novembro do ano passado para a prestação de “serviços médicos de oncologia no Hospital Regional de Santarém”. A questão é: será que não existem empresas locais aptas a prestar esse serviço? O gasto com passagens aéreas também é exorbitante: apenas em novembro do ano passado foram quase R$ 30 mil dispendidos pela OS no pagamento de deslocamentos de profissionais de fora para cá.
Comparação
Para avaliar o tratamento dispensado à Pró-Saúde pelo Governo do Estado cabe uma comparação: a OS recebeu do Estado do Tocantins cerca de R$ 258 milhões por ano para administrar 17 hospitais, enquanto que aqui no Pará, para administrar apenas quatro hospitais a mesma Pró-Saúde foi contratada por R$ 265 milhões, ou seja R$ 13 milhões acima do contratado no Tocantins para administrar 13 hospitais a menos que aqui.
Notas Fiscais mostram estariam sendo manipulados pela Pró-Saúde
Porém, no Tocantins, a Pró-Saúde não encontrou a vida fácil e a mesma proteção que lhe foi dispensada no Pará. O Ministério Público Federal do Tocantins requisitou a instauração pela Polícia Federal de cinco inquéritos policiais para apurar irregularidades nos contratos com a OS, tendo como base o relatório nº 11969-Denasus a respeito das atividades desenvolvidas após a terceirização.
Um dos inquéritos busca apurar a existência de possível desvio de verba pública e sobrepreço na contratação pela Pró-Saúde da empresa DNMV-S.S-MV Sistemas. Conforme o MPF, o relatório do Denasus constatou que os preços praticados na contratação excederam os valores praticados no mercado. Após pesquisa de mercado, verificou-se que a MV Sistemas praticou sobrepreço superior a R$ 10 milhões.
Segundo os procuradores, outra constatação do relatório do Denasus que merece ser aprofundada refere-se ao elevado número de consultorias pela Pró-Saúde, tendo em vista que desvirtuam o objeto do contrato de gestão. A mesma prática é adotada fartamente pela Organização aqui no Estado do Pará.
O sumiço de 95.089 unidades de medicamentos/insumos com prejuízo no valor de R$ 1.167.020,62 é outra irregularidade apontada no relatório do Denasus. Segundo despacho do MPF/TO, é claro o desaparecimento dos produtos após a Pró-Saúde ter assumido a gestão dos hospitais.
OS cobra 10% de “taxa de administração”
O Pró-Saúde transfere dinheiro entre hospitais gerenciados pela organização, custeia a despesa de outros hospitais e cobra uma taxa de administração milionária que engorda ainda mais os cofres da entidade.
Para gerenciar os quatro hospitais regionais sob sua responsabilidade, a Pró-Saúde cobra um percentual de 10% a título de “taxa de administração” do valor total dos contratos de gestão que mantêm com a Sespa, ou seja, dos R$ 265.000.000,00 que recebe por ano do Estado para gerenciar os quatro hospitais, a Pró-Saúde fica com R$ 26.500.000,00, limpos.
O faturamento da Pró-Saúde também é sempre garantido, sem nenhum desconto, com a empresa atingindo ou não as metas contratadas. A OS recebe contratualmente da Sespa um valor garantido de R$ 600.000,00 mensais para realizar 1.300 consultas por mês em diversas especialidades, ou seja, por uma consulta médica no Hospital Regional de Altamira a Pro-Saúde recebe o valor de R$ 461,52.
Só que a OS raramente cumpre a meta de consultas contratada e a Sespa não efetua qualquer desconto por metas não atingidas. E o que é pior: tudo previsto em contrato de gestão. O valor da consulta chega a ser quase dobro de uma consulta particular de um bom médico especialista na capital, que gira em torno de R$ 200,00.
Sespa
A Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) nega as suspeitas e irregularidades. Rita Facundo, diretora de desenvolvimento de redes assistenciais e de regionalização da Sespa, negou ao DIÁRIO que a Pró-Saúde receba 10% do valor total dos contratos mantidos com o Estado a título de taxa de administração. 
Ela também classificou como equivocada a informação dos repasses feitos pela Pró-Saúde através do Hospital de Santarém para a sede da empresa em São Paulo como mostram os comprovantes de transferência em poder do jornal.
Como se vê, os esquemas da Pró-Saúde não existem apenas no Pará. A diferença é que em outros Estados a OS é fiscalizada, investigada, cobrada e punida, como aconteceu no Tocantins, onde teve seus contratos de gestão rescindidos. Aqui, por enquanto, como mostram as reportagens do DIÁRIO, muita coisa precisa ser apurada. Com a palavra o Ministério Público e a Justiça paraense.

Xaropada: Belo Monte deve casa a mais de 7 mil famílias em Altamira


Bairro Invasão dos Padres, em Altamira, que será alagado

O atraso no cumprimento de obras compensatórias atreladas à construção da hidrelétrica de Belo Monte levou o consórcio Norte Energia, que é o dono da usina, a fazer algumas mudanças de planos, com o propósito de não comprometer o cronograma do empreendimento. Essas mudanças mexeram em uma das áreas mais sensíveis de todo o empreendimento: o reassentamento das milhares de famílias que terão as suas casas atingidas pela barragem da hidrelétrica, que está sendo erguida nas águas do rio Xingu, na região de Altamira, no Pará.
O cronograma da Norte Energia prevê que mais de 7 mil famílias devem ser remanejadas de suas casas até julho do ano que vem, quando está prevista a etapa de enchimento do lago da usina. Isso significa fazer a mudança de aproximadamente 20 mil pessoas no prazo de onze meses. Dessas 7 mil famílias, 4,1 mil optaram por morar nas vilas que serão construídas pela Norte Energia. Outras 3 mil deverão receber indenizações ou cartas de crédito para aquisição de outro imóvel. Para acelerar a construção, a Norte Energia alterou o material que será usado nas casas. Em vez da alvenaria tradicional, como estava previsto, as casas começaram a ser erguidas com uma estrutura de concreto moldado. O material faz com que a casa fique 20% mais cara que o modelo originalmente previsto, mas é mais fácil e rápido de trabalhar.
Moradores equilibram-se em ruas improvisadas com madeira em meio à falta de saneamento em Altamira
Os donos de Belo Monte também decidiram reduzir o tamanho das casas que haviam prometido. No ano passado, a Norte Energia divulgou panfletos em Altamira, com detalhes sobre as novas residências, as quais teriam modelos de 60, 69 e 78 metros quadrados, com dois ou três dormitórios. Agora, decidiu-se que todas terão 63 metros, com três dormitórios. O terreno de 300 metros quadrados em cada casa foi preservado.
Segundo levantamento feito pela Norte Energia, 54% das casas que terão de ser desocupadas têm até 60 metros quadrados de área de construída. Outros 23% tem entre 60 metros e 100 metros e os demais 27% tem área superior a 100 metros.
As mudanças, reconhece o diretor de engenharia e construção da Norte Energia, Antônio Kelson, têm o propósito de acelerar a construção das casas, mas ele afirma que a decisão foi tomada, principalmente, porque o consórcio teve a intenção de entregar uma estrutura de melhor qualidade para a população. "Foi uma decisão do acionista dar uma moradia melhor", diz Kelson.
Não é o que diz o Movimento Xingu Vivo Para Sempre, organização não governamental que tem liderado manifestações contra a construção da usina. "A população está vendo seus direitos serem menosprezados e desrespeitados. Vimos as casas que já fizeram. Elas estão rachando, porque foram mal feitas", critica Antonia Melo, coordenadora do Xingu Vivo.
Moradores equilibram-se em ruas improvisadas com madeira em meio à falta de saneamento em Altamira
A Norte Energia confirmou que ocorreram rachaduras na estrutura de uma das casas, mas atribuiu o problema a serviços de pavimentação realizados nas ruas, de frente para o imóvel, antes que a obra estivesse concluída. "O concreto da casa ainda não estava pronto, por isso ocorreram fissuras", diz Kelson.
As 4,1 mil casas do reassentamento de Belo Monte serão erguidas em cinco áreas adquiridas pelo consórcio no entorno de Altamira. Em julho, as primeiras unidades começaram a ser construídas e a expectativa é de que cerca de 400 unidades habitacionais sejam entregue por mês, até julho do ano que vem. O orçamento estimado para as ações de reassentamento é de R$ 500 milhões.
O reassentamento das famílias é uma das ações compensatórias mais atrasadas de Belo Monte. A previsão original era de que o consórcio iniciasse a construção das de casas ainda em 2011. A Norte Energia, no entanto, enfrentou uma série de dificuldades para finalmente definir as áreas que serão adquiridas. A troca de comando na prefeitura neste ano também ajudou a retardar ainda mais o processo, por conta de revisões no plano diretor da cidade.
As mudanças nas estruturas das casas serão analisadas pelo Ministério Público Federal (MPF) em Altamira. "Estamos avaliando o que será feito. Vamos checar tecnicamente a estrutura dessas casas. As pessoas estão se sentindo enganadas, porque prometeram uma coisa para elas, mas estão entregando outra", diz Bruna Menezes Gomes da Silva, procuradora do MPF.
Passados pouco mais de dois anos do início de sua construção, Belo Monte chegou neste mês ao seu pico de obra, com um total de 28 mil trabalhadores circulando nos canteiros instalados ao longo do rio Xingu, em Altamira (PA). As obras civis atingem 30% de conclusão. O início de operações da usina, diz Antônio Kelson, segue "rigorosamente em dia", com previsão de ter a primeira turbina ligada em fevereiro de 2015, apesar de a usina já acumular um total de cinco meses de paralisações parciais ou totais de seus canteiros de obra.
Belo Monte terá capacidade instalada de 11.233 megawatts (MW), com geração garantida de 4.571 (MW), suficiente para atender 18 milhões de residências, quase 60 milhões de pessoas.
Altamira terá saneamento da Suécia, diz Norte Energia
Segundo maior município do mundo em extensão territorial - o primeiro fica na Groenlândia -, Altamira nunca soube o que é saneamento básico. Não há rede de esgoto em toda a cidade e a água tratada só chega a 12% do território. Reverter esse quadro é uma das ações condicionantes assumidas pela Norte Energia, projeto que também está atrasado. Os empreendedores de Belo Monte prometem uma revolução. Nos próximos dias, cerca de 1,1 mil funcionários devem estar em campo tocando obras de um projeto de saneamento que, segundo o diretor de engenharia e construção da Norte Energia, Antônio Kelson, copia modelos implantados em países com a Suécia e a Inglaterra. "A cidade terá 100% de redes de esgoto e água tratada. Vamos entregar tudo isso até julho do ano que vem", diz Kelson.
O fato é que o prazo é exíguo e dificilmente será cumprido. Em março, o Ministério Público Federal (MPF) chegou a acionar o consórcio na Justiça para exigir a entrega das obras de saneamento básico que, de acordo com o cronograma do licenciamento ambiental, deveriam ter começado em 2011.
Em maio, o Ibama publicou um relatório de monitoramento das ações condicionantes de Belo Monte, no qual destacou o "descompasso" entre as obras de construção da usina e a implementação das medidas mitigadoras e compensatórias. Os analistas ambientais chamaram a atenção para o fato de que a situação "poderá se refletir em atraso na emissão da licença de operação para o empreendimento", que autoriza o enchimento do lago da hidrelétrica. Procurado pelo Valor, Ibama informou que ainda avalia as justificativas apresentadas pela Norte Energia e eventuais sanções.
A reportagem é de André Borges e publicada pelo jornal Valor, 23-08-2013.