Um projeto de lei do deputado estadual Wanderley Dallas (PMDB) vem causando constrangimento entre as comissões de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) e de Educação da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (ALE-AM). O incômodo é tanto que o deputado Orlando Cidade (PTN) apresentou, na quinta-feira, 16, um projeto para que a CCJR tenha o poder de vetar a tramitação de matérias que, na avaliação dele, ridicularizam o parlamento.
No projeto (nº 341/2012), Dallas quer reconhecer como patrimônio cultural de natureza imaterial para o Amazonas palavras, segundo ele, comuns no vocabulário regional local, como: “cabaçuda”, “cabaço”, “dedada”, “gala”, “pimba”, “pinguelo”, “piroca”, “pomba”, “xibiu”, entre outras (Veja mais palavras na lista abaixo).
Na justificativa da matéria, o parlamentar afirma que se inspirou na obra “Amazonês – Termos Usados no Amazonas”, do escritor Sérgio Freire, doutor em linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Incoerente e equivocado:
Para o professor e escritor amazonense Tenório Teles, o projeto de lei proposto por Dallas é incoerente e equivocado. “Esse é um projeto de lei sem muito sentido, porque querer estabelecer como algo permanente aquilo (a linguagem) que é impermanente, acredito que seja uma incongruência”, observou Tenório.
O escritor afirmou que considera digno de se tornar patrimônio cultural e imaterial de uma sociedade, não o instrumento, no caso a língua, mas as grandes obras que foram produzidas aqui.
“Penso que o deputado Dallas prestaria uma contribuição relevante se ao invés de querer dar a essas expressões uma importância tão significativa, consultar especialistas e listar as obras dos grandes autores do Amazonas, como os livros de Luiz Bacellar, Álvaro Maia, Violeta Dantas, entre outras obras importantes. Isso, sim, representaria uma contribuição cultural importante que mereceria ser reconhecido como patrimônio cultural do povo do Amazonas”, sugeriu o professor.
Segundo a doutora em Ciências Sociais na área de Antropologia da Educação, Valéria Veiga, faltou bom senso ao legislador. “Sou contra a inclusão dessas palavras de baixo calão no projeto de lei. Dá para estudar a variedade da língua sem constranger as pessoas. E dá para essa proposta tramitar, sim, mas retirando essas expressões constrangedoras, deixando as outras que são tradicionais da região do Amazonas”, declarou Veiga.
De acordo com o deputado Orlando Cidade, presidente da CCJ, na ALE-AM, há colegas preocupados mais com estatística do que com eficácia, importância e pertinência dos projetos. O presidente da Comissão de Educação, deputado Dr. Gomes (PSD), disse que fará o que é melhor para a sociedade.
“Vou me pautar nos conceitos de família, nos conceitos estritamente da ética. E toda e qualquer proposta que venha a ferir a ordem, que venha a constranger o parlamento, eu irei dar parecer contrário”, garantiu Gomes.
Em nota, Dallas disse que só irá se pronunciar a respeito da proposta hoje, no plenário da Assembleia. O projeto tramita na Casa desde 2012. Na ocasião, informou a assessoria, o deputado pretende levar o professor Sérgio Freire para explicar a matéria aos colegas.
A reportagem tentou contato com o professor no telefone 991xx-xx90, mas ele não atendeu as chamadas e nem respondeu as mensagens.
Parlamentar lidera ranking:
Com 25 propostas, Wanderley Dallas é o campeão entre os deputados da Assembleia Legislativa do Estado (ALE-AM) em quantidade de projetos de leis apresentados no primeiro trimestre de 2015.
Além de ser o deputado que mais apresentou projetos, há tempo Dallas vem chamando a atenção pelos temas curiosos que aborda nas propostas, como as que também buscam transformar em patrimônio imaterial as festas da Cerâmica; da Laranja; do Repolho; do Pirarucu; dos Botos; da Soltura dos Quelônios; e do Peão Boiadeiro.
O deputado do PMDB, que compõe a bancada evangélica, é autor ainda do projeto de lei que institui o Dia do Levita (aquele que domina a arte do louvor) no Estado do Amazonas. Outra proposta do parlamentar em tramitação na Casa Legislativa institui na rede pública de Saúde do Estado a “Semana da Boa Respiração”.
Em outro projeto, Dallas quer estabelecer o “Dia e a Semana de Conscientização da Reciclagem do Óleo Vegetal Comestível no Estado.
Outra proposta do deputado quer obrigar as empresas projetistas e de construção civil a prover os empreendimentos que especifica de dispositivos para dispensa dos óleos vegetal ou animal e gorduras de uso culinário no Amazonas.
Também é de Dallas a autoria de um projeto sobre a obrigatoriedade de instalação de dispositivo para interromper o processo de sucção em piscinas privativas no Estado.
Dallas é deputado de quinto mandato. No ano de 1982 cursou Teologia no Instituto Bíblico da Assembleia de Deus no Amazonas (Ibadam). O parlamentar foi reeleito em 2014 com 28.297 votos, o equivalente a 1,7% dos votos válidos, que garantiu a Dallas a 6ª maior votação entre os 24 eleitos no pleito.
Blog: Luiz Odilo, Presidente do Instituto Amazônico de Cidadania
“Esse projeto foge do bom senso. Além do mais os deputados deveriam se ater mais a coisas mais graves que estão ocorrendo. E isso aí é risível, além de ser secundário, terciário. E esse projeto com essas expressões obscenas não deixa de ser um desrespeito não só para com os próprios colegas de parlamento, por expor a imagem dos mesmos, mas também para com a sociedade, que os elege e espera, no mínimo, proposituras inteligentes e honestas. Isso foge dos princípios, e como presidente do IACi, digo que não concordamos com esse projeto. A CCJ e a Comissão de Educação estão com razão de se sentirem constrangidas, pois os deputados, como autores de leis, não podem aprovar algo tão imoral”, avaliou o presidente do Instituo Amazônico de Cidadania (IACi), Luiz Odilo.
Personagem: sociólogo, Marcelo Seráfico
‘Isso é mais uma tragédia’
Para o sociólogo Marcelo Seráfico, a postura do deputado Wanderley Dallas (PMDB), em apresentar um projeto de lei que torne patrimônio cultural e imaterial do Amazonas expressões de baixo calão aproxima o parlamento “mais da tragédia do que da comédia”.
“A postura do deputado é emblemática do tipo de preocupação que move parte dos legisladores estaduais. Acho que a cabeça do deputado está povoada de imagens e palavras bastante singulares. Talvez fosse mais relevante pensar em formas de democratização da política e da cultura”, analisou.
Seráfico disse ter dificuldades em crer que esse tipo de medida tenha alguma importância.
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