Localidade fundada por parentes de presos há 20 anos sofre com falta de saneamento básico e médicos e com a alta criminalidade
Há 20 anos, uma pequena vila surgiu no entorno do Complexo Penitenciário
de Pedrinhas, zona rural de São Luís, fundada por parentes de presos. O
povoado cresceu e hoje, apesar da declaração da governadora Roseana
Sarney (PMDB) de que o Maranhão está mais violento porque ficou mais
rico, a realidade ali é só de pobreza e violência. A comunidade
sintetiza indicadores sociais e econômicos que põem o Estado nas piores
posições em relação ao País.
Com o tempo, a área passou a ser ocupada por desempregados, que não
conseguiam morar em outro lugar. Com o clima tenso das rebeliões e da
crise de segurança no Maranhão, aqueles que têm parentes detentos
preferem não falar e quem fala relata a ausência do Estado.
"O governo não faz nada pela gente aqui", diz a dona de casa
Lucicleide Meireles Trindade, de 31 anos, que da janela de casa vê as
violent
as rebeliões no com
plexo que ficou mundialmente conhecido pelo
cotidiano sangrento. "Às vezes, o pessoal foge daí e vem parar aqui, com
a polícia atrás dando tiro. Eu me escondo aqui dentro."
O medo de Lucicleide é justificado pelas estatísticas. Nos últimos 13
anos, os assassinatos cresceram 460% no Estado. Além da violência, a
renda per capita média continua a pior do Brasil - R$ 360,43, diz o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
A dona de casa atualmente está desempregada, o que ajuda a derrubar
os índices de renda. Sem conseguir o benefício do Bolsa Família, ela
vive com três filhos do dinheiro enviado pelo marido, que trabalha como
mecânico em Minas. Lucicleide conta que ao lado de casa há um posto de
saúde quase sempre sem médicos e os filhos estudam em uma escola onde os
professores faltam com frequência, sem repor as aulas.
O Maranhão tem o maior número de miseráveis em relação à população,
segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre
6,5 milhões de habitantes, 1,7 milhão está abaixo da linha da miséria -
vive com até R$ 70 por mês.
A falta de saneamento também simboliza a pobreza do Estado e de
Pedrinhas. A doméstica Neide Estelma, de 36 anos, conta que falta o
básico. "Não bastam os presos que vivem fugindo, o esgoto da prisão vaza
todo para cá", conta. Diante das dificuldades, o maranhense vive menos -
o IBGE atesta que a expectativa de vida é a pior do País, com 68,7 anos
em média.
"As políticas públicas do governo estadual são pífias. A corrupção se
torna estrutural", afirma o historiador Wagner Cabral, da Universidade
Federal do Maranhão (UFMA). "O Estado tem uma população fragilizada, que
vai ser enganada e se transformar em trabalhador escravo ou precário",
diz.
Dona Lucicleide vê da sua janela as rebeliões no complexo penitenciário |
Poder. De acordo com Cabral, a família Sarney usa o
governo federal como tábua de salvação em razão do Bolsa Família.
Durante a crise da segurança, o ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo, veio tentar apagar o fogo dos aliados. A sensação, porém, é de
que a situação de crise poderia ter sido evitada.
Para o ex-secretário de Administração Penitenciária Sérgio Tamer,
havia sinais de que "algo estava errado" em Pedrinhas. Segundo ele,
houve uma "repentina elevação" na superlotação carcerária quando seu
sucessor, Sebastião Uchôa, assumiu, o que acabou com a estabilidade do
sistema.
O presidente da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, Zema
Ribeiro, afirma que a crise abalou fortemente Roseana. "O problema saiu
dos muros da penitenciária. Agora tem incêndio de ônibus, criança
morrendo queimada, atrocidades que estão deixando os muros", afirma. "Há
uma comoção maior por parte da sociedade e isso tem colaborado com a
onda de pânico." / COLABORARAM ERNESTO BATISTA, ESPECIAL PARA O ESTADO, e FABIO LEITE
Artur Rodrigues, Enviado especial/ São Luís - O Estado de S.Paulo