A maior mineradora do Brasil, a Mineração Rio do Norte (MRN), e segunda maior da América Latina, tem se aproveitado de uma fraude do transporte público para não pagar a hora gasta com transporte dos seus funcionários que trabalham nas minas de extração de bauxita, como determina a Sumula 90 do Tribunal Superior do Trabalho (TST): “O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, e para o seu retorno é computável na jornada de trabalho”.
Para burlar a legislação trabalhista, em 1998 o Município de Oriximiná e a empresa de transporte CATTANI S/A, que presta serviço para a MRN, simularam uma licitação pública de concessão de serviços de transporte público para beneficiar a MRN e suas empresas terceirizadas, únicas interessadas na fraude.
O município de Oriximiná continua sem transporte público, e a concessão foi apenas para Porto Trombetas, distante a 40 minutos de barco, pois não há nenhum acesso terrestre entre o município e a distrito de Porto Trombetas.
Histórico: Em 1981, os trabalhadores da MRN entraram com reclamação trabalhista na Justiça do Trabalho de Santarém, para cobrar o pagamento da hora transporte, como determina a lei, e obtiveram êxito. A empresa passou a pagar o valor correspondentes a 70 minutos para os trabalhadores que utilizavam o transporte concedido pela própria empresa do trajeto do distrito de Porto Trombetas até as instalações da mina de extração de bauxita.
Porém, curiosamente, no mês de março de 1998, o Município de Oriximiná que recebe royalties da MRN, lançou o edital de concorrência pública que concedeu à empresa CATTANI, única concorrente, o direito de explorar o transporte coletivo rodoviário em Porto Trombetas, área de interesse exclusivo da MRN.
Com a fraude estabelecida, a MRN ficou livre do pagamento da hora transporte e, em fevereiro de 2007, o Sindicato que representa a categoria (STIMNFOPA) ajuizou uma ação civil pública trabalhista para exigir o pagamento da hora in itinere.
O processo foi julgado pelo Juiz Federal do Trabalho de Óbidos/PA – Dr. Jáder Rabelo de Souza que condenou a MRN ao pagamento da hora in itinere. Sua sentença possui uma extensa fundamentação, com 10 páginas, baseada em uma Inspeção Judicial que seguiu todo o trajeto do ônibus da CATTANI, cegando a seguinte conclusão:
“Os ônibus com destino à mina somente transportam trabalhadores da MRN ou das empresas prestadoras de serviço, os passes ou “tickets” são entregues aos empregados no final do mês. A partir do PTT, curiosamente, os ônibus deixam de lado a suposta finalidade pública do transporte e passam a prestar serviço particular para a MRN e suas contratadas, serviço esse que consiste no contrato de transporte de trabalhadores entre o PTT e as diversas minas da região, tais como a do Ajudante, Almeidas, Papagaio, dentre outras”.
O Ministério Público do /trabalho, através da procuradora Dra. Cíntia Nazaré Pantoja Leão, também apresentou relatório da Inspeção Judicial, destacando os seguintes aspectos:
“Embora exista um contrato de concessão pública entre o Município de Oriximiná e a empresa que realiza os serviços de transporte na região de Trombetas, qual seja, a Cattani S.A. Transporte e /turismo, tal contrato é apenas formal, consistindo em um meio de fraudar os direitos trabalhistas dos trabalhadores da região em receber pagamento pelas horas de percurso. Na prática, o serviço de transporte prestado pela Cattani em nenhum aspecto pode ser caracterizado como público”.
A Procuradora do Trabalho ainda fez a seguinte observação:
“A despeito de se tratar de território federal, onde deveria ser assegurado o livre direito de ir e vir previsto constitucionalmente, a região de Porto Trombetas é, de fato, considerada pela Mineração Rio do Norte como se fosse uma propriedade particular, onde a empresa exerce um controle fortíssimo sobre a conduta da população e dos visitantes, chegando, a assumir o papel do próprio Estado em alguns casos e, em outros, a agir além do que o Estado poderia, pois não raramente, suas condutas de controle da região implicam em violação de diversos direitos fundamentais (direito à dignidade humana, o direito à liberdade, direito à intimidade e vida privada; o direito à igualdade, direito á liberdade; o direito á presunção de inocência; o direito de ação; o direito ao livre exercício do trabalho).
É a empresa MRN que decide quem pode ou não pode entrar na região de Trombetas, emitindo “autorização” aos visitantes, por período determinado, a seu livre juízo, sendo que esta Procuradora do Trabalho, bem como o Juiz do Trabalho de Óbidos, receberam autorização para transitar pela região pelo prazo de 4 dias”.
E concluiu sua inspeção afirmando: “O Ministério Público do Trabalho manifesta-se no sentido de que não existe transporte público em Porto Trombetas, considerando o contrato de concessão existente como uma fraude aos direitos trabalhistas de pagamento das horas de percurso dos empregados da região”.
A MRN recorreu da sentença, obtendo um parecer favorável em segunda instância que, estranhamente, desprezou os relatórios minuciosos do Ministério Público do Trabalho (MPT) e o próprio Laudo de Inspeção Judicial.
Quando o processo chegou ao TST em Brasília, o Tribunal observou a falta de intervenção do MPT e devolveu para ser novamente julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho em Belém.
A fraude é tão grosseira, que os motoristas da CATTANI esperam pacientemente os trabalhadores da MRN baterem o cartão ponto no escritório central da Mina do Aviso, para depois levá-los ao local onde desempenha suas funções na mina.
O julgamento foi marcado para a próxima quarta-feira (19/06), e a expectativa é que o Sindicato que representa a categoria consiga desmascarar a fraude que beneficiou a MRN.
Flaldemir Sant’Anna de Abreu