Facções apostam em crimes ambientais para lavar dinheiro e diversificar negócios, movimentando somas bilionárias com um sistema à frente das forças de segurança.
No dia 16 de maio deste ano, um avião de pequeno porte carregado com 200kg de skunk foi interceptado pela Força Aérea Brasileira no sudoeste do Pará.
Os agentes dispararam tiros contra a aeronave, que fez um pouso forçado no Travessão do Cajueiro, comunidade a 150 km do centro de Altamira.
De acordo com a FAB e a Polícia Federal, os ocupantes provocaram o incêndio assim que pousaram e depois fugiram.
O episódio foi apenas um entre casos similares que têm se repetido nos céus da Amazônia brasileira, onde o ouro brota, há décadas, debaixo de copas de árvores e entre os rios que abastecem cidades, aldeias, comunidades quilombos onde milhares de pessoas seguem com a saúde e a sobrevivência cada vez mais comprometidas pela atividade do garimpo ilegal.
Mas os tempos mudaram e os garimpeiros agora têm um concorrente ainda mais difícil de vencer do que a própria PF ou o Ibama: os narcotraficantes.
Um levantamento recente feito pelo jornal “O Globo” aponta que a cadeia de produção de cocaína se mistura com a mineração de ouro em toda a América do Sul.
O material chega como commodities à Europa.
Itaituba, a pioneira
De acordo com o levantamento, a cidade de Itaituba, a 1.200 quilômetros de Belém, é pioneira no rastro do dinheiro que passeia dentro dessa cadeia de delitos.
A Polícia Federal também já identificou algumas figuras estratégicas na rede criminosa. Um deles é Heverton Soares, conhecido como “Grota” - líder comunitário acusado de ligações com o “narcogarimpo”, como é chamada a associação de facções criminosas com donos de mineradoras para lavar dinheiro do tráfico de drogas por meio da venda de ouro.
Nas eleições de 2024, “Grota” trabalhou como cabo eleitoral do candidato a prefeito de Itaituba Ivan D’Almeida, do Podemos, dono de garimpos na região e réu em alguns processos por exploração ilegal de ouro. “Grota” responde a processos em três Estados por suspeitas de praticar crimes como tráfico de drogas, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Com status de megaempresário na região do Vale do Rio Tapajós, sudoeste do Pará, “Grota” é dono de garimpos, fazendas, haras, pistas de pouso e empresas de maquinário de extração mineral e peças de carro.
Investigações citam 18 autorizações para explorar o ouro na região de Itaituba, onde as permissões, concedidas oficialmente pela Agência Nacional de Mineração, dependem de aval dos políticos locais.
Por essa razão, a disputa eleitoral na região é estratégica para garimpeiros.
Em 2021, ele ficou foragido por nove meses depois de virar alvo de uma operação da PF.
A participação do empresário na campanha em Itaituba só tem sido possível porque a Justiça anulou um pedido de prisão contra ele após indefinição sobre quem irá julgá-lo.
O caso está sob análise do Superior Tribunal de Justiça. Procurada, a defesa de “Grota” não quis comentar.
Doações suspeitas
A relação entre alvos de investigações e políticos da região, contudo, vai além de declarações de apoio.
De acordo com a Polícia Federal, doações eleitorais feitas em 2020 a candidatos de Novo Progresso, vizinha a Itaituba, foram usadas para lavar dinheiro da extração ilegal de ouro.
O principal alvo do inquérito em curso é Marcio Macedo Sobrinho, dono de mineradora que chegou a ficar preso por 22 dias em 2022.
A PF identificou que uma empresa dele movimentou R$ 29,4 milhões em contas ligadas a Ubiraci Soares Silva, do União Brasil, o “Macarrão”, que foi prefeito até 2020 de Novo Progresso.
Além dos repasses para o ex-prefeito, a PF aponta que Macedo Sobrinho doou R$ 67 mil nas eleições de 2020 a um candidato a prefeito e a outros seis postulantes a vereador com o suposto intuito de obter licenças ambientais para explorar ouro na região.
A defesa do dono de mineradora diz que as doações eleitorais foram feitas “dentro da lei” e que as investigações ainda não terminaram.
Ano passado, “Macarrão” foi candidato a vice-prefeito em Novo Progresso.
O principal doador de sua campanha foi Dirceu Santos Frederico, dono de uma empresa de comércio de ouro e mineradora na cidade que repassou R$ 90 mil para a sua candidatura.
Frederico, que foi diretor da Associação dos Mineradores do Alto Tapajós (Amot) e secretário municipal de Meio Ambiente de Itaituba, e chegou a ser preso por cinco dias em setembro de 2022 sob suspeita de comprar ouro extraído de áreas protegidas da Amazônia.
Meses antes, a PF havia interceptado um carregamento avaliado em R$ 23 milhões em barras do minério que pertenciam à sua empresa. Na ocasião, Frederico afirmou que a carga tinha origem legal.
Uma ação civil pública também aponta suspeitas de utilização de garimpos fantasmas por Frederico para “esquentar” ouro retirado de reservas ambientais.
Procurado pela reportagem, o empresário não respondeu.
Juntos e misturados
Ainda de acordo com informações da PF, na maior floresta tropical do mundo, facções como o Primeiro Comando da Capital, PCC, e dissidências das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Farc, exploram novas frentes de negócio.
Se antes o avanço do tráfico de cocaína era uma das maiores preocupações dos países amazônicos, nos últimos anos o crime ambiental ganhou força, acompanhando a valorização da coca e do ouro no mercado internacional.
Para especialistas ouvidos, o narcogarimpo se tornou um importante aliado dos grupos criminosos na lavagem de dinheiro, num esquema que inclui desde criptomoedas até a exportação de commodities com ares de legalidade para multinacionais.
Outro dado preocupante tem a ver com a taxa de 90% de desmatamento ilegal registrado na Amazônia, crime que começou a ser acelerado pela influência do crime organizado.
De acordo com um relatório das Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, de 2023, 42 grupos atuam na região, entre eles 13 brasileiros.
Fonte : Portal Olavo Dutra
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