Mantido
até agora sob reserva pelas autoridades de Brasília, um estudo
realizado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) traz uma
péssima notícia para as populações de pelo menos oito municípios da
região oeste do Pará, todos eles agora colocados sob o risco iminente de
racionamento de energia elétrica. Na origem do problema está o fato de
que, por negligência ou falha de planejamento, não foram feitos em tempo
hábil os investimentos que deveriam reforçar o sistema elétrico que
abastece de energia a região.
O reforço deveria ter sido feito antes do
início das obras de construção da hidrelétrica de Belo Monte, em
Altamira, e da consequente elevação do consumo ocasionada pelo
empreendimento. Como isso não aconteceu, o sistema entrou em progressivo
desequilíbrio e se encontra hoje gravemente desbalanceado, segundo
definição dada pelos especialistas no setor, que advertem para a
possibilidade de blecautes e oscilações de carga. Foi um problema assim,
aliás, que ainda recentemente provocou uma pane geral nos equipamentos
do Hospital Regional de Santarém.
O estudo realizado pelo ONS deixa claro que
quatro municípios devem ser de pronto afetados pelo racionamento, no
momento em que o governo se dispuser – ou for compelido – a adotar a
medida. São eles Itaituba, Belterra, Santarém e Rurópolis. Outras quatro
cidades – Brasil Novo, Medicilândia, Placas e Uruará – deverão sofrer
igualmente as mesmas restrições de consumo, se não no primeiro momento,
certamente à medida que o problema for se agravando. Ao todo, o
racionamento deverá afetar um contingente populacional próximo de 600
mil pessoas.
Para evitar a ocorrência de problemas e
assegurar a estabilidade do sistema, segundo revelou ao DIÁRIO uma fonte
credenciada, deveriam ter sido construídas pelo menos três subestações,
sendo uma em Altamira, uma em Vitória do Xingu e uma terceira no
entroncamento das rodovias BR-163 (Cuiabá-Santarém) com a BR-230
(Transamazônica). Das três, somente a primeira, em Altamira, foi
efetivamente construída. E isso não por causa do custo financeiro, já
que uma subestação de grande porte é calculada em R$ 50 milhões, valor
que representa uma fração ínfima do custo final de Belo Monte, estimado
em R$ 32 bilhões.
Isso mostra que a preocupação primeira – e
quase única – dos tecnocratas de Brasília é viabilizar o projeto gerador
de energia, sem se darem ao trabalho de refletir sobre problemas e
transtornos que suas decisões possam eventualmente causar às populações
afetadas. Mesmo, como é o caso, quando essa população está dentro de um
Estado que oferece ao Brasil dois portentosos trunfos econômicos – o
maior saldo de sua balança comercial e a maior parte (três quintos) da
energia produzida em seu território.
De certa forma, está se repetindo agora,
aliás, o que aconteceu no governo FHC em 2001, quando foi adotado o
racionamento para responder à crise nacional na oferta de energia
elétrica. Na época, o Pará, embora produtor e exportador de energia,
também entrou no sacrifício. Para o apagão de 12 anos atrás, buscou-se
como desculpa a falta de chuvas. Hoje, a causa, sem dissimulações, é uma
só: negligência e falta de planejamento.
Sistema já opera no limite e sujeito a desligamentos
Em sessão especial realizada nesta
quinta-feira pela Câmara Municipal de Santarém, para discutir o
fornecimento de energia elétrica da cidade e da região oeste do Pará
como um todo, o prefeito Alexandre Von (PSDB) proferiu uma frase que
acabou repercutindo no site do jornalista Jeso Carneiro. “Esta energia
não satisfaz, não atende mais as necessidades do município. A solução
definitiva para o problema é ampliar a capacidade de transmissão dessa
energia [do Tramo Oeste] de 138 KV para 230 KV”.
Um engenheiro eletricista com mais de 30
anos de atividade profissional nessa área, consultado pelo DIÁRIO,
deixou claro que nem o prefeito de Santarém conhece a dimensão do
problema que hoje ameaça a região. “Isso [a ampliação da capacidade de
transmissão] traria apenas um alívio, mas não resolveria o problema”,
afirmou o especialista.
Ele observou que, quando há o crescimento da
demanda em determinada região, procura-se planejar a ampliação do
sistema elétrico em seus três níveis técnicos – a geração, a transmissão
e a distribuição. Na região oeste do Pará, a demanda vem experimentando
um crescimento muito forte, principalmente em Altamira, por causa de
Belo Monte, e na cidade de Itaituba, onde, além da operação de uma
fábrica de cimento, estão sendo implantados diversos projetos voltados
para o armazenamento e o transporte de grãos.
O normal, pois, era que fossem planejadas e
executadas as obras de ampliação do Tramo Oeste, como é conhecido o
sistema elétrico que abastece a região. Isso, porém, não aconteceu, o
que está na origem dos problemas para cuja solução o Operador Nacional
acena agora com a possibilidade do racionamento.
Explicou o engenheiro que, com o início da
obra de Belo Monte, houve necessidade de mais energia elétrica para
alimentar os canteiros de obras e responder ao crescimento da demanda de
carga da própria cidade de Altamira, cuja população foi bruscamente
aumentada. Com isso, disse ele, a transmissão entre a usina de Tucuruí e
a subestação de Altamira passou a operar no limite e em precária
“estabilidade”.
Nessas condições, um aumento de carga ou
desligamento repentino em qualquer ponto do sistema oeste do Pará,
incluindo todo o circuito que vai de Tucuruí a Altamira e se estende até
Santarém e Itaituba, provoca instantaneamente uma perda de
estabilidade. As consequências podem ser desligamentos inesperados, com
perda total de controle e podendo mesmo chegar a blecautes. Em situações
assim, a única solução possível é diminuir a carga demandada em pontos
estratégicos do sistema, normalmente os mais afastados da fonte de
geração. No caso atual, a opção mais provável é o corte de carga em
Santarém.
Especialista diz que não há solução simples e rápida
Para a fonte ouvida pelo DIÁRIO,
profissional com vasta experiência em grandes obras do setor elétrico no
Pará, o assunto já deve estar sendo estudado por especialistas em
planejamento energético e será provavelmente tratado em dois focos,
sendo um emergencial e outro permanente. Para o emergencial, ele diz que
será preciso melhorar a “compensação reativa” da linha de transmissão, a
fim de permitir que ela passe a escoar maior quantidade de energia da
usina de Tucuruí para o Tramo Oeste.
Essa solução, segundo ele, certamente
exigirá a instalação de reatores e bancos de capacitores na subestação
de Altamira, que recebe a energia de Tucuruí e a transmite tanto para a
Transamazônica quanto para o canteiro de Belo Monte.
Já sobre a solução permanente, ele se nega a
fazer previsões. “Aí nós já estaríamos entrando no terreno da
especulação pura e simples. A solução definitiva só virá quando forem
planejadas e construídas as subestações associadas a Belo Monte”,
acrescentou o especialista.
Emergencial
O engenheiro fez ainda questão de esclarecer
que mesmo a solução emergencial não é tão simples e rápida como se pode
pensar. Como se trata de equipamentos de grande porte, se eles forem
deslocados para cá de outras regiões do país – ainda com a “sorte” de
que possam estar disponíveis – e montados “a toque de caixa”, só poderão
estar operacionais num prazo mínimo de seis meses.
E ainda com um detalhe que aumenta o grau de
complicação. Para que seja adotada a “solução emergencial”, de
curtíssimo prazo, haverá necessidade de uma decisão do governo para
eliminar todo o ritual burocrático que necessariamente envolve a
realização do leilão, que seria o caminho legal a seguir.
Poderia haver, por exemplo, uma determinação
“de cima” para que a Eletronorte execute as obras de “reforço de
transmissão”. Mas isso, ele próprio se encarregou de acrescentar, “é
pouco provável de acontecer”.
(Diário do Pará)
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