terça-feira, 27 de agosto de 2024

Institutos explicam onda de calor e incêndios que causam crise ambiental no Brasil

A previsão meteorológica é de pelo menos mais dois meses de incêndios. Setembro e outubro”, indicou o presidente do Ibama.O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitiu um alerta amarelo de perigo potencial de baixa umidade na região central do país. O alerta abrange Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, São Paulo e Tocantins. “A previsão meteorológica é de pelo menos mais dois meses [de incêndios]. Setembro, outubro”, indicou o presidente do Ibama.O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgou que o Brasil registrou 107.133 focos de calor, de 1º de janeiro a 25 de agosto. Esse número representa um aumento de 75% em relação ao mesmo período do ano passado.Alguns incêndios ocorridos no país, estão sendo investigados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pela Polícia Federal. Geralmente, a fumaça que encobriu as cidades tem origem em queimadas em locais próximos. Há dias, um fluxo de ventos também tem transportado fuligem de incêndios florestais que acontecem em regiões mais distantes, como na Amazônia e no Pantanal.
O clima seco também tem dificultado a dissipação da fumaça e elevado o risco de incêndios em diversas regiões do país.
Somando tudo isso, estamos vendo:
- focos de queimada inéditos em São Paulo para o mês de agosto;
- a maior taxa em 13 anos para o mesmo mês em Minas Gerais;
- um aumento de 260% em relação ao ano passado para agosto no Mato Grosso;
- um aumento de 3.316% para todo o Pantanal no mesmo período;
- mais da metade de todos os focos do ano para a Amazônia em agosto;- e o dobro para o Cerrado no mesmo mês quando comparado com 2023.O presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, afirmou que o Brasil tem passado por um período de extremos climáticos e que a situação dos incêndios não deve ser normalizada até meados de outubro. “Como estou te dizendo, é previsão, é uma situação extrema. A La Niña já era para estar operando no sistema, já era para a gente estar em outra situação. Nesta semana, a frente fria deve durar até quarta-feira, 28, mas já está entrando uma nova onda de calor, então a gente está bastante assustado com isso, inclusive porque uma nova onda de calor está se formando com muita força e deve ser sentida no Brasil inteiro a partir de quarta-feira”, indicou o presidente do Ibama.O fenômeno climático La Niña, responsável pelo resfriamento das águas do Oceano Pacifico, estava previsto para começar no segundo semestre deste ano, em meados de julho e agosto.Segundo o presidente do Ibama, o aumento dos incêndios no Brasil decorre de uma soma de situações extremas, desde o calor elevado até a baixa umidade do ar. “É uma mistura de condições meteorológicas extremas – seca extrema, calor extremo, baixa umidade, ondas de calor muito intensas – com uma outra situação, que é a ideia da cultura do fogo, a cultura de as pessoas saírem colocando fogo em tudo”.Rodrigo Agostinho informou que a sala de situação do Ibama discute estratégias para conter a quantidade de focos de calor. “Mas, de fato, a gente tem uma crise climática superpesada, a maior seca da Amazônia e a maior seca do Pantanal da história. E isso agrava muito a situação. Além do problema, obviamente que as pessoas não param de colocar fogo e juntar duas coisas”.Especialistas, juntamente com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) explicam o contexto de cada episódio de queimada em diferentes regiões do Brasil e discutir as perspectivas, que são preocupantes.1) Taxa inédita em São Paulo
No estado de São Paulo, o número de focos de incêndios registrado em agosto de 2024 já é o maior desde o início da série histórica do Inpe, em 1998. Neste mês, que ainda nem chegou ao fim, já foram contabilizados 3.483 focos pelo satélite de referência do instituto. O resultado de tantos incêndios ficou evidente nas primeiras horas da manhã do último fim de semana, quando cidades inteiras ficaram encobertas por uma espessa nuvem de fumaça.Em Itirapina, no Centro-Leste do estado, mais de dois mil hectares foram devastados pelas chamas. Em São Carlos, também na mesma região, cerca de 800 pessoas foram obrigadas a deixar suas casas, enquanto 700 estudantes foram retirados das escolas. Em Araraquara, um incêndio matou dez animais em uma criação de porcos. Plantações foram completamente destruídas em Dourado.A intensidade e a frequência dos incêndios, inéditas na região, também levaram 48 cidades a declarar estado de alerta máximo. "É impressionante o que está acontecendo em São Paulo. As estações secas estão mais severas devido às mudanças climáticas, o que intensifica os incêndios, mas essa alta quantidade de focos sugere a possibilidade de ação criminosa coordenada, embora isso ainda precise ser confirmado", explica Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e coordenadora de políticas públicas no Observatório do Clima."O Ibama e a Polícia Federal estão investigando, e eles têm tecnologia para identificar a origem e o período dos incêndios. Caso haja responsabilidade criminosa, os responsáveis poderão ser identificados e punidos", acrescenta.2) A maior taxa em 13 anos em Minas Gerais.Em Minas Gerais, a situação também é crítica. Desde o início do mês até o último domingo, 25, foram registrados 2.136 focos de queimadas no estado. Esse número representa um aumento de 107% em comparação a todo o mês de agosto do ano passado, quando ocorreram 1.029 focos de incêndio em vegetações. Além disso, ainda segundo a série histórica do Inpe, agosto de 2024 já atingiu a maior taxa de queimadas dos últimos 13 anos, só ficando atrás dos 2.445 focos registrados em cidades mineiras em 2011.No último sábado, 24, o Sul de Minas registrou 68 focos de incêndio em 27 cidades, ainda segundo o Inpe. Os incêndios mobilizaram o Corpo de Bombeiros, a Defesa Civil e voluntários em várias localidades. Em Extrema, cidade na divisa com São Paulo, um incêndio na Serra do Lopo levou dois dias para ser controlado. Já em São Pedro da União, dois hectares de vegetação queimaram, e em São Lourenço, o fogo destruiu uma casa. Por causa das queimadas no estado, também no sábado, moradores de Belo Horizonte se depararam com um céu completamente nublado.3) Aumento de 260% no Mato GrossoNo Mato Grosso, agosto de 2024 já está perto de bater a taxa de 2020, quando 10.430 focos foram contabilizados pelo Inpe. Até o último domingo, 25, o estado já registrou 10.424 focos. O número também representa um aumento de 296% se comparado com o mesmo período do ano passado.Dados do Inpe também mostram que Mato Grosso segue sendo o estado com o maior número de focos de calor no país desde o início de 2024. Os focos registrados no estado representam 20,72% de todos contabilizados no país até agora. De janeiro até domingo, foram 20,7 mil focos de incêndio, um aumento de 109% se comparado com o mesmo período do ano passado, quando foram 9,8 mil focos.4) Pantanal em chamasNo Pantanal, uma das maiores áreas úmidas contínuas da Terra, apenas nos primeiros seis dias de agosto foram registrados 1.899 focos de calor. O número supera a média histórica mensal de 1.478 focos (1998-2023). O bioma enfrentou uma temporada de incêndios devastadora entre 2019 e 2021. Comparando todo o mês de agosto do ano passado com os 25 dias de agosto de 2024, observa-se aumento de 3.316% nos focos de calor no Pantanal: de 110 focos em 2023 para 3.758 até agora em agosto de 2024. De janeiro até domingo, em todo o bioma foram 8,5 mil focos de incêndio, um aumento de 2.094% se comparado com o mesmo período do ano passado, quando foram 388 focos."A situação é grave, intensa e, infelizmente, generalizada. Já havíamos alertado sobre o elevado número de focos na Amazônia e no Pantanal. Este ano, estamos batendo recordes de incêndios na Amazônia. O Pantanal também teve um ano intenso, e agora o fogo está se espalhando para outras regiões", alerta Mariana Napolitano, diretora de Estratégia do WWF-Brasil.5) Amazônia em alertaA temporada de incêndios geralmente ocorre na Amazônia entre junho e outubro, mas fazendeiros, garimpeiros e grileiros derrubam a floresta e se preparam para queimá-la durante todo o ano. Ainda segundo o Inpe, o bioma registrou 50 mil focos de fogo desde janeiro até agora. O número representa um aumento de 77% quando comparado com o mesmo período do ano passado, quando 28 mil focos foram contados pelo instituto. Toda essa fumaça que cobre a floresta está viajando milhares de quilômetros.Esse volume ainda se soma ao que vem do Pantanal, de Rondônia com a queimada no Parque Guajará-Mirim há um mês, e da Bolívia, formando uma densa camada cinza na atmosfera que é arrastada para o restante do mapa formando um "corredor de fumaça". E somente em agosto de 2024 (gráfico acima), que ainda não acabou, o bioma registrou mais da metade de todos os focos do ano: 25.193. Comparando à taxa todo o mês do ano passado (17.373), o número também representa um aumento 45%.“Esses altos números de incêndios são resultado da extrema seca que o Brasil enfrenta este ano. O ano passado já foi atípico devido à seca causada pelo El Niño e pelas mudanças climáticas. Os rios na Amazônia e no Pantanal não encheram o suficiente durante a estação chuvosa, criando um déficit hídrico significativo no início da seca. Com altas temperaturas, baixa umidade do ar e o uso de queimadas e incêndios criminosos, os focos perdem o controle e atingem grandes proporções”, declarou Mariana Napolitano, diretora de Estratégia do WWF-Brasil.6) Cerrado com dobro de focos
Ainda segundo dados do Inpe, 13.865 focos foram registrados no Cerrado desde 1º de agosto até o último domingo. A taxa representa mais que o dobro de focos quando comparada com todo o mês de agosto de 2023, quando 6.850 focos foram contabilizados. O bioma também vem registrando altas taxas de desmatamento desde o ano passado, e desde o começo do ano já contabiliza 34.557 focos no total, uma diferença de 48% quando comparada com o mesmo período de 2023 (no intervalo de 1º de janeiro até 25 agosto).7) Distrito Federal
No DF, a comparação de focos ativos detectados pelo satélite de referência do Inpe em agosto de 2024 (até o dia 25) mostra que a taxa está perto de bater o número para o mês em 2022. O valor atual ainda está bem baixo de outros anos que tiveram taxas maiores, como 2010, por exemplo, que registrou 181 focos. Mesmo assim, a fumaça continua encobrindo céu do DF nesta semana. Na última segunda, Brasília amanheceu coberta por fumaça pelo segundo dia seguido.Em Goiás, a situação é um pouco diferente. Com 974 focos, agosto de 2024 (até o dia 25) já está perto de igualar a taxa de 2022 por um foco de diferença. Contudo, assim como o DF, no último ano o estado registrou uma queda de focos ativos (488) para o mesmo mês.9) Pior seca em 44 anos
Segundo um levantamento do Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), mais da metade dos estados no país também enfrenta o pior período de seca em 44 anos. Das 27 unidades da federação, 16 estados e o Distrito Federal enfrentam a pior estiagem já vista no período de maio a agosto, desde os anos 1980. a lista estão: Amazonas, Acre, Rondônia, Mato Grosso, Pará, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Piauí, Maranhão e Tocantins.
10) Mudança dos padrões de chuva
Ana Paula Cunha, especialista no monitoramento de secas do Cemaden, explica que esta é a primeira vez em anos de monitoramento que se observa uma seca tão longa no país. E ela vem se estendendo desde o El Niño. Ele acabou levando seca para o Norte e mudou o padrão de chuvas pelo país. Com isso, adiantou o período seco em 2023, e, como a chuva ficou abaixo da média já naquele ano, houve uma seca extensa, que se tornou ainda mais forte atualmente.
Com o fim do El Niño, a situação não mudou porque o Atlântico Tropical Norte está muito aquecido. Isso muda a atuação das zonas de convergência, que poderiam levar chuvas ao Norte, piorando a estiagem. “Essa junção de fatores, com o El Niño mais intenso, os oceanos mais aquecidos, a gente vê a seca se expandindo pelo país. Em anos de monitoramento de secas, nunca vi isso acontecer com essa gravidade, com tantos pontos de seca excepcional e por tanto tempo”, diz Cunha.
Dados
Hoje, mais de 3,8 mil cidades estão com alguma classificação de seca (de fraca a excepcional). O índice de seca é calculado com base no índice de chuva, variando conforme a proximidade ou distância da média e período. Para se ter uma noção, o número de cidades nessa situação aumentou quase 60% entre julho e agosto e, segundo o Cemaden, os números de agosto ainda são uma prévia e até o fim do mês o cenário pode piorar.“Quanto mais tempo a seca durar, mais difícil vai ser de se recuperar. É preciso uma chuva bem acima da média para reverter o cenário. A gente já tem uma ideia do que vai ser a estação chuvosa e a previsão é que não vai ser o bastante para que o país possa se recuperar”, acrescenta a especialista.

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