terça-feira, 9 de novembro de 2021

Estados cogitam abandonar uso de máscaras, mas cientistas criticam “pressa”


Com a desaceleração da pandemia de coronavírus no Brasil, as autoridades do país ensaiam os próximos passos no relaxamento das medidas de proteção contra o vírus, como o uso de máscaras. Por enquanto, não há critérios claros sobre quais indicadores poderiam atestar a segurança da retirada de sua obrigatoriedade. O infectologista Marcos Boulos, por exemplo, tem defendido que a medida só deveria ser considerada quando 80% da população estiver vacinada. O Rio de Janeiro já autoriza a liberação do equipamento de proteção em cidades com 75% da população imunizada. Enquanto Estados e municípios tentam avançar com suas normas e seus próprios parâmetros de segurança, cientistas e divulgadores científicos pregam cautela para que o país não queime a largada no caminho em direção à “normalidade” pré-pandemia.
Os novos marcos da crise de saúde têm animado a população. Nesta segunda-feira, o Estado mais populoso do país não registrou, após meses, nenhum óbito por covid-19 em 24 horas. São Paulo concentra boa parte dos equipamentos e da força de trabalho médica do país, e nem assim conseguiu atravessar a crise sanitária sem longas filas por um leito de UTI no ápice da pandemia. Agora, com melhores indicadores, espera poder avançar no seu plano de reabertura em dezembro e retirar a obrigatoriedade do uso de máscaras ―pelo menos em locais abertos.
“Se continuarmos com os indicadores caindo nessa mesma velocidade, é possível que até a última semana epidemiológica do mês de novembro a gente atinja os indicadores necessários, e é possível que, no início do mês de dezembro, a máscara seja liberada em ambiente aberto, sem aglomeração”, explicou na semana passada o coordenador do Comitê Científico paulista, o médico João Gabbardo. Para que o ato se concretize, é preciso que o percentual de vacinados cresça e que novos casos, internações e mortes por covid-19 sigam caindo. Ele não deu detalhes sobre quais seriam os parâmetros de cada indicador.

No vizinho Rio de Janeiro, já se pode circular em locais abertos sem máscara desde o dia 28 de outubro. É o primeiro Estado a liberar o equipamento de proteção, mas segue a exigência de máscaras para locais fechados. Na semana seguinte, foi a vez do Distrito Federal adotar medida semelhante. Até o fim de outubro, apenas 17 municípios haviam revogado a obrigatoriedade das máscaras, segundo pesquisa da Confederação Nacional de Municípios (CNM) que ouviu 1.703 prefeituras. A tendência, porém, é que essas iniciativas se acelerem. “Se, em novembro, chegarmos em 80% dos adolescentes vacinados, podemos ter um Natal sem máscaras, mas vamos fazer isso de forma muito técnica, sem colocar as pessoas em risco”, afirmou o governador do Paraná, Ratinho Júnior, nesta semana.

“É uma medida ainda de risco. Os gestores estão com pressa em retornar à normalidade e acabar com todas as medidas, e parece que a máscara é a última barreira para este momento em que tudo está liberado de novo”, analisa a divulgadora científica e mestre em Saúde Coletiva, Beatriz Klimeck, um dos nomes por trás do perfil Qual Máscara. Para ela, não há motivos sólidos para essa iniciativa agora. “O uso de máscara não tem nenhuma restrição para a atividade econômica, então é uma ação precoce. E é uma medida difícil de retomar num eventual aumento de casos”, justifica.

A biomédica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e divulgadora científica pela Rede Análise Covid-19 Mellanie Fontes-Dutra concorda. “A gente está vendo uma desaceleração da queda [de infecções] e fico me perguntando: se em algum momento precisarmos retomar isso, caso comecem a crescer os casos entre os não vacinados, se haveria adesão da população. Acho que as máscaras, independente do contexto, deveriam ser a última medida a ser flexibilizada.”

A obrigatoriedade do uso de máscaras em locais abertos é controversa. Nesses ambientes há um risco de contágio menor, porque a circulação de ar é maior. Mas as pesquisadoras alertam que locais abertos com aglomeração, onde as pessoas não mantêm distanciamento e ninguém usa máscara, podem gerar riscos. “Claro que menores que em ambientes fechados, mas não existe risco zero em biossegurança”, pondera Fontes-Dutra. Para Klimeck, contudo, a liberação apenas em locais abertos não deve causar grandes impactos.

No último fim de semana, Araguaína, no Tocantins, deu um passo mais ousado e decidiu liberar o equipamento em locais abertos e em ambientes fechados. “Não está de acordo com a taxa de transmissão no país e é precoce”, alerta Klimeck. Para ela, não há qualquer razão para desobrigar o uso de um equipamento de proteção barato e eficaz em locais fechados, onde o risco de contaminação é muito maior.

Segundo Klimeck, o percentual de vacinados não deve ser a principal métrica para decidir o momento de desobrigar o uso de máscaras. “A taxa de transmissão e a quantidade de casos ativos devem ser levados em consideração muito mais. Independentemente de termos a população inteiramente vacinada, se o vírus está circulando, é preciso que a população entenda que precisa se proteger”, defende. “Essa ideia de tudo bem pegar a covid-19 mais leve é prejudicial”, acrescenta, lembrando que a doença pode deixar sequelas.

A especialista defende que as pessoas continuem se protegendo para não contraírem o vírus, e os três pilares para isso seguem os mesmos: distanciamento social, ventilação e uso de máscaras. “Se eu quero deixar de usar máscaras em locais abertos, então o ideal é que eu faça isso com distanciamento. (...) Agora, se você não tem ventilação nenhuma, mantenha a máscara e o distanciamento. Estamos falando cada vez mais em maneiras de mitigar o risco. A mensagem principal não pode ser tudo bem se contaminar.”

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