Correspondências foram enviadas por uma religiosa que vivia em Londrina.
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A irmã Mariavirgo, nome que faz referência a Virgem Maria, se chamava
Gabriele Moser. Ela veio da Alemanha o Brasil em 1935, junto com outras
religiosas. Depois, chegou a Londrina um ano depois, vinda de Jacarezinho, também no norte do Paraná.
O destinatário descrito nos envelopes é o pai de Gabriele, Ludwig
Moser, morador da pequena cidade de Geislingen. Foram encontradas três
correspondências, todas apresentando o selo de censura do Terceiro
Reich.
Cartas foram escritas pela Irmã Mariavirgo, que chegou ao
Brasil em 1935 (Foto: Arquivo/Colégio Mãe de Deus)
Brasil em 1935 (Foto: Arquivo/Colégio Mãe de Deus)
"Essas cartas foram encontradas na coleção da irmã Maria Wilfried, que
trabalhava na escola de música. Quando achamos, ficamos curiosos em
descobrir o que estava escrito nessas cartas, por ser da época da
Segunda Guerra Mundial”, relata o arquivista Amauri Gomes.
"Foi uma surpresa grande quanto encontramos as cartas. Pelos envelopes,
vimos que eram cartas censuradas pelo nazismo e ficamos curiosos, nos
perguntando o que contém essas cartas para serem censuradas, o que a
irmã estaria contando'", diz Elenice Dequech, voluntária que auxilia na
organização do acervo histórico do colégio.
As cartas foram encaminhadas para uma religiosa do colégio, que iniciou
a tradução do texto. Ela conheceu a própria irmã Mariavirgo, que ficou
no no colégio até falecer. "Vamos interpretá-las devidamente, e que
fique uma nova fonte para ver o quanto essas irmãs se dedicaram", diz a
irmã Maria Fernanda Balan, que auxiliou na tradução dos textos durante a
reportagem.
As correspondências
As cartas são escritas em papel de seda e outros tipos. Provavelmente, a irmã utilizou bico de pena e apresenta uma bela caligrafia. Em cada correspondência, Mariavirgo inicia com a saudação “Ave Maria”.
As cartas são escritas em papel de seda e outros tipos. Provavelmente, a irmã utilizou bico de pena e apresenta uma bela caligrafia. Em cada correspondência, Mariavirgo inicia com a saudação “Ave Maria”.
Na primeira carta, datada de 15 de outubro de 1939, irmã Mariavirgo já
mostra preocupação se as correspondências enviadas estavam mesmo
chegando ao destino “Ontem recebi a noticia que a carta teve um desvio”,
escreveu.
Nesta mesma carta, Mariavirgo também mostra outra preocupação: a
guerra. O ano coincide com o começo da Segunda Guerra Mundial. “Como
será que vocês estão? O jornal de hoje não relata nada de alegre, mas
não se pode acreditar em tudo”. Depois, a religiosa tranquiliza a
família, pedindo que “não se preocupem porque estou muito bem”.
A irmã contava ainda que estava trabalhando no jardim de infância, com
20 crianças. Ela relatou que a maior dificuldade é o idioma, apesar de
conhecer algumas palavras que seriam necessárias para o ensino.
Mariavirgo detalha aos pais como era a cidade de Londrina na época.
"Londrina está com mais ou menos 12 mil moradores. A mata virgem vai aos
poucos sendo derrubada", descreve. Fala ainda das plantações de “café,
milho e feijão, laranjas e bananeiras”. Sobre os moradores, a irmã os
considerava "muito filial, fácil de comunicar".
Em
uma das cartas, irmã Mariavirgo diz que ficava admirada com o céu
estrelado de Londrina, e desenha o Cruzeiro do Sul (Foto: Rodrigo
Saviani/G1)
A religiosa conta aos pais que ficava encantada com o céu da cidade
durante a noite, permitindo ver muito bem as estrelas. “As estrelas são
muito lindas, principalmente o Cruzeiro do Sul, que a gente pode ver de
uma maneira admirável", escreveu, desenhando no papel a imagem da
constelação.
Nas outras correspondências, o conteúdo é parecido, mesclando a
preocupação da situação dos pais na Alemanha, contando a rotina no
Colégio Mãe de Deus, como a chegada de novas religiosas, e lembrando de
outros familiares e amigos.
Na carta datada de 25 de março de 1941, ela lamenta por não conseguir
escrever antes. “Não pude com isso cumprimentar o pai pelo aniversário
de 60 anos, mas eu não esqueci. O bom Deus ainda conceda muitos anos de
vida, saúde e alegria”, conta. Ela ainda agradece pelas cartas recebidas
no período. “Eu gostaria de dizer um Deus lhes pague pelas duas cartas
que enviaram. Os senhores me causaram muita alegria”, relata.
Cartas apresentam o carimbo com o símbolo do alto
comando das Forças Armadas do governo nazista
(Foto: Rodrigo Saviani/G1)
comando das Forças Armadas do governo nazista
(Foto: Rodrigo Saviani/G1)
A censura
Nos envelopes, estão inscrições mencionando que as cartas foram abertos e passaram por um censor. Uma delas tem o adesivo escrito "censor 1162", número referente provavelmente ao funcionário que violou a correspondência. Também são vistos vários carimbos do alto comando das Forças Armadas do governo nazista.
Nos envelopes, estão inscrições mencionando que as cartas foram abertos e passaram por um censor. Uma delas tem o adesivo escrito "censor 1162", número referente provavelmente ao funcionário que violou a correspondência. Também são vistos vários carimbos do alto comando das Forças Armadas do governo nazista.
Para a irmã Maria Fernanda Balan, a censura pode ser motivada porque o
Brasil não era um aliado da Alemanha na guerra. “As irmãs também sofriam
preconceito aqui, porque aqui tudo o que era alemão era odiado. Se
generalizava que os alemães provocaram a Segunda Guerra Mundial", opina.
Outro motivo é o fato de a carta ser escrita por uma religiosa do
movimento de Schoenstatt, fundado pelo padre José Kentenich que se
posicionava contra o nazismo. “Ele foi perseguido pelo sistema nazista
por ser um líder, uma pessoa que exercia influência social na Alemanha”.
Kentenich ficou preso por três anos em um campo de concentração próximo
a Munique, sendo libertado por causa do fim a guerra.
“Padre Kentenich viu que era necessário formar um novo tipo de homem,
um novo tipo de personalidade, baseada pela liberdade, educada pelo
amor, em contraposição ao sistema da época”, explica a irmã Maria
Fernanda.
Acervo histórico
As cartas devem fazer parte de um acervo histórico, que está sendo montado pelo Colégio Mãe de Deus. “Inicialmente, estamos fazendo um o processo de catalogação e de levantamento histórico, resgatando materiais que fazem parte dessa história de quase 80 anos”, explica o arquivista Amauri Gomes.
As cartas devem fazer parte de um acervo histórico, que está sendo montado pelo Colégio Mãe de Deus. “Inicialmente, estamos fazendo um o processo de catalogação e de levantamento histórico, resgatando materiais que fazem parte dessa história de quase 80 anos”, explica o arquivista Amauri Gomes.
“Essas cartas fazem parte da história de Londrina, contam como era a
cidade poucos anos depois da fundação. Então, é de grande importância
localizar esse material e apresentar aos moradores”, afirma a voluntária
Elenice Dequech, que auxilia no trabalho.
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