quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Tabatinga

Fronteira: Estágio de Adaptação à Vida na Selva

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Quando soube que ia fazer o Estágio ante de ir para o PEF, comecei a me organizar para comprar o material necessário (os kits) para ninguém encher meu saco depois. Eles fazem uma Reunião no Auditório da OM, explicando tudo que tem que levar e o que não se pode levar, com pena de transgressão disciplinar (deixar de cumprir ordem superior).
(Entrada do CF Sol / 8º BIS)
Caso do biscoito e camisinha.
O material é o seguinte:
- Kit de Sobrevivência;
- Kit  de Higiene;
- kit de Costura;
- Kit de Coturno;
- Kit de Primeiros Socorros;
- Kit de Anotação;
- 01 (uma) Farda de Muda;
- 01 (um) Facão;
- 01 (um) Plástico com nome dos kits;
- 01 (um) Cabo Solteiro;
- 01 (uma) Mochila;
- 01 (uma) Rede de Selva;
- 02 (dois) Cantis com Canecos;
- 02 (dois) Portas Carregadores;
- 01 (uma) Marmita c/ porta marmita e talher articulado;
- 01 (um) Apito;
- 01 (um) Suspensório e Cinto NA;
Isso tudo, fora outros na lista que eram opcionais, mas sempre você fica na dúvida se leva ou não, eu optei em levar o que era obrigatório, os opcionais, levei muito pouco.
DSC01427O estagiário tem que já ir pro estágio sabendo de cór “As Leis da Selva” e a “Oração do Guerreiro de Selva”, pois, todo dia tinha cerimonial de manhã antes do café, a tarde antes do almoço, a noite antes do jantar e da ceia e se o instrutor chefe chamasse a frente e pedisse para falar um ou outro (as leis ou a oração) e se errasse uma palavra ou conjunção, o estagiário perdia ou meia etapa o a etapa completa da refeição procedente, isso sem falar que as refeições era por tempo, o máximo que tivemos foi 8 min!! E o mínimo foi 2 min!! Isso porque todo dia chegávamos atrasados por vários motivos, sem falar que sempre íamos dormir depois das 2 h da manhã para acordar às 5h.
Tinha tudo no cerimonial, inspeção de armamento, entrada sempre correndo na área de instrução que estava sempre alagada, era lama por todo lado. Não precisa nem falar que todo mundo perdeu algumas de suas etapas de refeição. Cada um de nós tinha um número que nos representava, ficava preso no gorro, no fuzil, na mochila, em todo lugar, e só éramos chamado pelo número, quanto mais antigo o militar menor era seu número. O 01 era um Capitão, que ficou zumbizado, de tanto perder etapa e ficar sem dormir, sem falar que nossas fardas estavam sempre molhada e cheias de lama, pois tinhas instrução o dia todo, e sempre tínhamos que passar por um córrego, um igarapé e o próprio campo de instrução, que como já disse, era lama pura, charco, etc..

Nem na EsSA eu fui tratado daquela maneira, pois sem comer e sem dormir, ficava difícil aprender o que os instrutores queriam nos ensinar sobre sobrevivência na selva. Além do mais, tinha instrução que era pra testar nossa paciência, moral, determinação e força de vontade, pois se o grupo não se ajudasse,  ia ter gente que não ia conseguir terminar o estágio, pois muita gente baixou devido a problemas nos pés, infecção, febre, fraqueza, etc.
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(Cerimonial de Iniciação do EAVS)
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(1º Dia – Apresentação do Material)








































































































(Marcha com Mochila e Fuzil de 7 Km dentro da Selva)

Após a inspeção do material no 1º dia, deu inicio ao Estágio com uma pequena Marcha de uns 7 Km dentro da mata, passando por lama, igarapés, troncos, espinhos e etc, tudo aquilo que você encontra dentro de uma selva. O detalhe é se alguém baixasse (como vários baixaram) teríamos que revezar a mochila e o fuzil do companheiro baixado, sem falar que se o companheiro não baixado não tivesse condições de caminhar, teríamos que levá-lo na maca! Resumindo a marcha começou umas 10h e só foi terminar lá pelas 19h, sem almoço, a base de água e algumas frutas que achávamos no caminho, lembrando que eram 53 Estagiários! Terminamos a Marcha, jantamos e em seguida fomos para instrução de Natação, que só terminou depois da meia noite. Aí fomos para o “Alojamata” (já dá para imaginar o que é), terminar de montar nossa rede de selva e tentar dormir.
Até o 5º dia a noite, tivemos várias instruções, dentre elas: Primeiros Socorros, Ofidismo, Comunicações, Tiro Noturno com calibre 12, Orientação Diurna e Noturna, Montagem de Rede de Selva, Natação, Navegação com Barco e Montagem de Boais, Conhecer as Frutas Nativas da Região, Caça (trave de esfolamento e retirada e pele) e Pesca (limpeza e preparo), Nós e Amarrações, Decida de Frente na Rampa de uns 15 m, Reconhecimento de Pegadas de Animais, Montagem de Tapiri, Montagem de Rabos de Jacu, Armadilhas de Caça e Pesca, etc.. Deixamos de aproveitar o aprendizado de muitas instruções devido a fome, ao sono e a parte física que já estava bem surrada.
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(Área de Instrução – Preparação para o Cerimonial)
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(Linha de Servir – Jantar)
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(Instrução de Primeiros Socorros – Aplicação de Injeção)
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(Instrução de Primeiros Socorros)
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(Instrução de Primeiros Socorros – Final da Pista de Travessia c/ Maca)
(Instrução de Ofidismo)
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(Instrução de Nós e Amarrações)

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(Instrução de descida na Rampa)
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(Intervalo Almoço – Comendo Ração R1 – Tempo 8 min para tudo)

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(Instrução de NavFlu)
(Instrução de NavFlu)
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(Instrução de como fazer Fogo)
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(Instrução de Construção de Armadilhas)
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(Instrução de Armadilhas – Todos atentos!!)

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(Nosso Xerife – Cap (01))

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(Instrução de Construção de Taperi e Cipós)
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(Escolhendo a Palha certa para o telhado do Taperi)

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(Intervalo para dar 2 voltas no Campo de Instrução – Só para acordar!)

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(Bom, depois de acordado, todo muito atento para instrução)

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(Mais um Cerimonial para não perder o costume)

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(Instrução Conhecimento das Frutas Típicas da Região)
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(Instrução Frutas Típicas da Região – Preparando para degustação)

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(Degustando as Frutas – Parte I)

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(Degustando as Frutas (olhem os detalhes dos rostos) – Parte II)

Tem uma fruta chamada Noni que tem gosto de “merda”, apesar de nunca ter comido “merda”; ninguém gostou! Outra fruta muito rejeitada pelo seu sabor desconfortante foi o Jenipapo. O problema de comer o Jenipapo era que não estava maduro e tinha que comer com casca e tudo. Também tivemos que tomar suco de Jenipapo sem açúcar, que é considerado vomitivo, o que fez a maioria sentir ânsia de vômito. Pra variar o “01” comeu 3 Jenipapos.
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Algumas frutas era servida em forma de suco, e é claro, sem açúcar, pois na selva você não tem como achar açúcar para adoçar o seu suquinho, hehe. Confesso que passei a dar mais valor ao açúcar, pois açaí sem açúcar é triste!!

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(Mais uma degustação – Observem o detalhe da boca e dos olhos!)

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(Turu)
O Turu é um molusco de cabeça dura e corpo gelatinoso, tem a grossura de um dedo e vive em árvores podres, caídas. interior da Amazônia vivo e cru, em caldo com farinha ou em moquecas, o bichinho é rico em cálcio e tido como afrodisíaco. O gosto é algo indescritível, depois que você mastiga bem, sobre a casca dele que parece um chiclete duro… tem que mastigar bem e engolir. É uma iguaria muito cara aqui na região. Para comê-lo, segure-se na cabeça (ele tem duas garras que pode ferir o dedo ou a boca) com a direita, morde a parte mole antes da cabeça, prende com os dente e puxa com a mão a cabeça e pronto! É só mastigar e saborear essa iguaria ímpar da Amazônia.
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(Degustando o Turu)

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(O Sopão – Esse foi foda!!)
Os cestos da foto era para ajuntar as sobras das frutas que não eram comida para fazer um sopão de frutas, detalhe: sem açúcar, com casca, caroço e tudo mais, argh… Eles encheram nosso caneco com esse sopão e tinha que tomar tudo, caraca!! Quase vomitei, muito ruim!!!
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(Oi nós aí outra vez -  Mais um Cerimonial)
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(Preparando para 3 dias de sobrevivência na Selva – Olha o estado do Guerreiro depois de 5 dias de Instrução)
Depois de acabado todas as instruções, era hora de colocar em prática tudo que a gente aprendeu naqueles 5 dias. Fomos separados em 3 Grupamentos, um com 17 militares e os outros 2 com 18 militares; fiquei no primeiro com 17.
Deram-nos 9 cantis cheios, uma mochila, uma calibre 12 com 3 munições para caça, kit de sobrevivência, um equipamento rádio para contato diário, 9 facões, kit primeiro socorros, apitos.
Pegamos o barco do exército de noite onde recebemos algumas instruções, e nos revezávamos em turno de 10 min durante toda a noite. Aportamos numa região perto do Capacete (local da nosso sobrevivência) e ficamos esperando clarear o dia para as Baleiras nos levar. Chegando, o mais antigo recebeu as instruções de tudo que teríamos que fazer: construir um Tapiri para a gente dormir, um Rabo de Jacu para proteger o fogo da chuva, armadilhas de caça e pesca, montar o rádio e fazê-lo falar com a Sede, montar um Mutá para caça, coletores de água, suporte para coturnos, etc…
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(Indo de Baleeira para Área de Sobrevivência)
O problema não era montar, e sim a pressão psicológica de alguns instrutores que volte e meia, chegavam na área de sobrevivência e começam a dizer que o Tapiri foi construído do lado errado, tá muito demorado, o telhado de folhas tem que ser mais inclinado, a armadilha de caça não tá boa, etc, etc, etc… Falavam que iríamos ficar mais uma semana e que tínhamos que fazer melhorias, e por ai vai, estresse completo. O negócio era ficar como dizemos na Bahia: “Cabeça de Gelo”. Se entrasse-mos no jogos deles, ficaríamos doidos, pois a moral já estava lá em baixo.  A galera deu um duro legal, pois no primeiro dia já tínhamos feitos muita coisa, não precisa nem falar que a nossa água acabou logo, porém tinha um riacho perto da nossa área, onde enchíamos os cantis e colocávamos clorim para purificar a água; foi o que nos salvou, pois a água do Rio Solimões é muito barrenta. Qualquer comida que conseguíamos tínhamos que dividir por 17. Conseguimos palmito de uns Buritis, mas sem sal não tinha gosto de nada.
Achamos umas tábuas no mato e as utilizamos para fazer o nosso Tapiri, mas alguns instrutores acharam que aquilo era muito conforto para nós e deram ordem para tirarmos sobe de aumentar os nossos dias de sobrevivência. Apesar de ficarmos “putos”, tiramos as tábuas e fomos atrás de troncos para montar o nosso Tapiri. O problema é que andamos muito carregando aquelas tábuas e depois tivemos que levar tudo de volta, já estávamos cansados e com fome, mas mesmo assim a galera se uniu e conseguimos alguns troncos na mata.
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(Montando Tapiri)
Chega uma hora que de tanta fome, você não sente mais fome, mas fica fraco, qualquer coisa que faz dá uma tontura, isso lá pelo 2 e 3 dia. Os pés se não cuidar, ele fica todo enrugado e cheio de feridas, o que impede você de se movimentar mais rápido, e sua moral vai pras cucuias. É óbvio que em todo grupo, principalmente nesse, em que a maioria não se conhecia, sempre tem uns que gostam de “dar o golpe”, “fazer corpo mole” e sempre que podem estão torando ou se esquivando do trabalho duro, mas isso também estava previsto. Ainda bem que tínhamos um cantor, pois nas primeiras noite quando choveu, molhou tudo, e o remédio foi cantar e relaxar, pois, como se diz no combate: “depois que molhou a cueca, tudo é festa”. Sem falar nos mosquitos que a noite não deixavam ninguém dormir, não tinha repelente que desse jeito, qualquer brecha na roupa eles picavam, fazendo menção também aos Carapanãs – mosquitos que picavam por cima da farda.
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(Coletores de Água)
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Enfim, depois de 3 noites e 4 dias, terminou-se a nossa sobrevivência. Foi um alívio, pois todo mundo só queria saber quando aquele inferno ia acabar, ninguém estava agüentando mais, nossos corpos estavam chegando ao limite, e o nosso psicológico estava gritando “me deixem ir embora desse inferno”. Uma coisa é certa: – se alguém se perde na selva amazônica e não tem nenhuma noção de sobrevivência, a selva o consome, pois vai morrer de inanição, fome, infecção, envenenamento, atacado por algum animal selvagem, etc.
A noite os colegas ficavam a delirar, dizendo que quando saísse dali ira parar na primeira lanchonete e pedir uma coca-cola de 2l e e um x-tudo; outro dizia que naquele momento daria R$ 100,00 em um hamburger, e por aí vai. São coisas que só a fome pode causar. Apesar de termos dinheiro, estávamos preso naquela selva. Assim, aprendemos a dar mais valor ao alimento e sermos mais solidário com quem tem fome, pois a fome é triste!
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(Vista do Rio Solimões – Área do Capacete)
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(Vista do Rio Solimões – Área do Capacete)
Enfim, no 3º dia de sobrevivência, soubermos quer riamos embora no dia seguinte, e para estarmos preparado às 5h. É óbvio que ninguém dormiu naquele dia, uma por que choveu e outra que teríamos que desmontar tudo até as 5h. Então desmontamos quase tudo, e deixamos o Rabo de Jacu (onde ficava o fogo) e o Tapiri por último, mas às 3h, todo mundo já estava acordado e às 4h já estávamos esperando a baleeira pra nos  levar. Ela só chegou depois das 6h.
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(Dentro do Barco – Voltando para o Quartel)
Saímos com o barco lá pelas 7h e chegamos no quartel lá pelas 10h, onde teríamos que ir para formatura de encerramento do Estágio, onde estava o Cmt e familiares dos militares envolvido no Estágio. A formatura foi simples, onde o Cmt falou sobre a importância do Estágio para o adestramento do militar que vive nessa região e no final recebemos um Diploma, onde conta a nossa participação e o nº de horas no Estágio. Tudo isso publicado em BI.
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(Chegada no Quartel – Preparando para Formatura de Encerramento)
Depois da Formatura, estávamos cansados, sujos e famintos. Foi preparado um coquetel para nós no Clube de Oficiais. Tinha de tudo, suco, frutas, salgadinhos, doces, mingau, etc. Até que tentamos comer, mas como nosso estômago estava reduzido pela fome, não dava para encher o “bucho”, como se diz lá no Nordeste. Mas, foi bom. Além de tudo isso,  perdi uns  4 kg nesses 9 dias de Estágio.
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(Coquetel de Encerramento – Clube de Oficiais)
Por enquanto é isso, nas próximas postagem vou tentar mostrar como é a cidade de Tabatinga, suas ruas, lojas, etc. Eu fui designado para ir para o 1º PEF – Palmeiras do Javari/AM, onde devo ficar por 1 ano. O Quartel possui 4 PEFs. o 1º PEF eu já citei, o 2º PEF – Ipiranga, o 3º PEF – Estirão do Equador e o 4º PEF – Vila Bitencourt. Para quem quiser conhecer o 1º PEF, eu criei um blog que mostra como é a vida em um PEF, é só digitar na barra de endereços do seu navegador: http://1pef.blogspot.com.

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