domingo, 16 de dezembro de 2012

Curralinho: o pior entre os piores do país


"Até agora, poucos programas saíram do papel e o Marajó, que esbanja belezas naturais, continua aparecendo nas estatísticas oficiais como uma das áreas mais pobres do País".

Essa é placa de boas vindas à cidade de Curralinho
É no arquipélago do Marajó que fica o município de Curralinho. Os cerca de 29 mil habitantes vivem basicamente da pesca, extrativismo do açaí e dos recursos de programas sociais como o Bolsa Família e o Seguro Defeso. “Não fosse o dinheiro que vem desses programas, estaríamos vivendo em estado de calamidade pública”, diz o vereador Marcos Baratinha, que já participou de vários grupos de estudo criados pelos governos federal e estadual na tentativa de buscar o desenvolvimento econômico da região. Até agora, poucos programas saíram do papel e o Marajó, que esbanja belezas naturais, continua aparecendo nas estatísticas oficiais como uma das áreas mais pobres do País.
Na semana passada, Curralinho ganhou as manchetes dos jornais. O motivo foi a divulgação, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do Produto Interno Bruto (PIB) per capta dos municípios brasileiros. Curralinho se destacou por ter o menor índice do País. Apenas R$ 2,2 mil por habitante. Para se ter uma ideia, a média do Pará é cinco vezes maior e o município baiano de São Francisco do Conde - o campeão nacional em PIB per capita -tem média 130 vezes maior que o de Curralinho.
A triste lanterna não chegou a surpreender os moradores da cidade, acostumados às dificuldades da falta de trabalho, de investimentos em saúde e educação e aos frequentes surtos de malária. Curralinho é o retrato do abandono a que foi condenado o Marajó ao longo de sua história.
Ao lado do extrativismo e dos programas sociais do governo federal, o que movimenta o mercado interno do município são os empregos públicos na prefeitura da cidade. São estimados cerca de mil servidores. Apenas metade contratada por concurso, segundo estimativas da Câmara de Vereadores. Na última sexta-feira, o atual prefeito, Miguel Pedro Pureza Santamaria (PSDB) não estava na cidade. Os moradores dizem que ele “sumiu” desde que perdeu a disputa pela reeleição.
A Prefeitura de Curralinho tem orçamento previsto para 2013 de R$ 57 milhões. Não existe arrecadação própria. O que alimenta os cofres públicos são as chamadas receitas transferidas, recursos que o Estado e a União são obrigados, por força da Constituição, a repassar aos municípios.
Diferente do que ocorre na maioria das cidades do País, em Curralinho a população ainda é predominantemente rural. Na sede do município, os serviços públicos são precários. Nas comunidades afastadas, a situação é ainda pior. Para fazer um exame de ultrassom, por exemplo, mulheres grávidas precisam ir à cidade vizinha, Breves. A viagem de barco dura de três a quatro horas. Os pacientes viajam com encaminhamento, mas, se o médico falta, é um dia de trabalho perdido. “Eles voltam e reclamam. Acham que somos culpados”, lamenta a secretária de Saúde em exercício Aline Rodrigues.
Nessa época do ano, com poucas chuvas, as estivas estão secas. Os moradores das várzeas podem entrar e sair de suas casas sem usar os cascos, espécie de canoas com motor. O mosquito transmissor da malária quase não é visto e ainda é possível pescar camarão. É no rigoroso inverno amazônico que a situação ruim beira o insuportável. A pesca fica suspensa, os casos de malária aumentam. “Há seis meses que não fazemos ações nas áreas mais afastadas”, diz o agente de Endemias Pablo Teixeira, prevendo aumento de casos neste ano. As ações a que ele se refere são a borrifação para matar o mosquito transmissor da doença e a coleta de sangue para verificar se há pessoas infectadas. A secretária adjunta de saúde nega a falta de ações e diz que os casos da doença foram reduzidos, mas admite que ainda é grande o número de pessoas que adoecem.
Além da malária, as crianças sofrem com a ameaça constante de diarreias. E não é para menos. Sem água potável nas torneiras, moradores da área de várzea captam água direito do rio. Em algumas casas se encontram vidrinhos de hipoclorito distribuídos por agentes de saúde. “A água de beber fica aqui”, diz Silene Dias, apontando um balde com tampa onde já foram jogadas gotinhas do hipoclorito. Silene, 28 anos, é mãe de uma menina e dois meninos - e como quase todos na comunidade da Grota, vive praticamente só do Bolsa Família. Recebe R$ 200 por mês. A renda é complementada com a pesca e com os bicos feitos pelo marido carpinteiro.
A falta de oportunidades de trabalho fez surgir uma novidade na paisagem de Curralinho: os camelôs. “Isso é resultado da falta de oportunidades”, explica o presidente da Câmara de Vereadores Jair Reis (PR). Vendedor ambulante há quase 20 anos, Sebastião Viana tem uma pequena barraca de roupas na praça da Bandeira, na área central da cidade, em frente ao porto. Diz que o movimento é bom, mas admite que as vendas caem quando o salário dos servidores públicos atrasa. “São eles que movimentam”. O mesmo diz o vizinho de barraca, José Henrique, que vende bijuterias, material para manicure, sombrinhas e outras bugigangas.

Rendas dependentes de bolsas e repasses
As margens do rio Pará, açaizeiros completam a paisagem recortada por pequenas casas de madeira cobertas com palha. O cenário é bucólico e encanta aos poucos turistas que enfrentam as mais de oito horas da viagem de barco de Belém até Curralinho. Para os moradores da comunidade da Grota, a beleza da paisagem é um fardo a lembrá-los do isolamento e da carência de políticas públicas.
Osias Dias está entre os que enfrentam os rigores típicos de uma das áreas mais exuberantes e abandonadas do Brasil.
Aposentado, pai de quatro homens e cinco mulheres, ele viu a família ir se espalhando pela comunidade. Quase todos moram na mesma estiva, um arremedo de rua feita com pedaços de madeira. Osias não é de reclamar. Diz que gosta da vida que leva. Só se recente da dificuldade para conseguir atendimento médico na cidade. “Às vezes a gente vai e não tem médico. Se for coisa grave tem que ir para Breves”, diz. “A gente vai ao médico e se ele pede para comprar remédio, a gente guarda a receita até quando aparece o dinheiro”, completa. Sandra Rodrigues, 41 anos, mãe de oito filhos e também dependente do Bolsa Família. Ela recebe R$ 314 por mês. “É com esse dinheiro que a gente compra alimentos, material escolar, calçados para as crianças. É só ir tariando [economizando] que dá”, afirma.
Outra queixa frequente é pela falta de oportunidades de trabalho. “Sou mãe de dois adolescentes e vivo sobressaltada”, diz a professora aposentada Odila Coutinho. O motivo, conta, é o aumento do uso de drogas entre os jovens. “Aqui já foi uma cidade muito tranquila. A gente podia deixar uma bicicleta aí na rua e ninguém mexia. Hoje não”, lamenta, dizendo que as autoridades não deram ainda a devida atenção para o tráfico de drogas na região.
Preocupação das mães de Curralinho também é a carência na área da educação. O município tem 47 escolas, mas apenas sete estão regularizadas junto ao Ministério da Educação. Ou seja, a maioria não pode emitir ainda certificados. O secretário de educação, Edvaldo Ferreira, afirma que o município fez um esforço para regularizar as escolas. Três delas estão com processos em fase de tramitação. Em Curralinho, a rede pública oferece apenas até o Ensino Médio. Jovens que desejarem fazer um curso superior ou ingressar no ensino técnico precisarão deixar o município. Na comunidade da Grota, a vista das salas de aula não poderia ser mais bela, em pleno arquipélago do Marajó, com rio e mata por todos os lados. Mas o privilégio dos alunos termina na paisagem. Pais e professores reclamam que a merenda só é distribuída em metade do ano letivo. O colégio Sítio Porto Alegre, por exemplo, oferece cerca de 130 vagas para meninos e meninas que cursam da primeira à sexta série do ensino fundamental. Não há bibliotecas ou laboratório de informática e o material didático é improvisado pelos professores
Uma das principais fontes de renda de Curralinho, o pagamento do seguro defeso, está sob suspeita. A Polícia Federal abriu inquérito para investigar o pagamento do benefício a pessoas que não estão diretamente ligadas a atividade. Na semana passada um delegado e vários agentes desembarcaram no município com a missão de ouvir 26 pessoas. “É feito um cruzamento entre os bancos de dados como o do INSS para verificar se o beneficiário tem outra atividade”, disse ao DIÁRIO um dos agentes. Além de Curralinho, a PF investiga fraudes em Breves, Portel e São Sebastião da Boa Vista, todos no Marajó. A chegada dos policiais federais à cidade se tornou o assunto do momento.
O presidente da Colônia de Pescadores de Curralinho, Gilmar Martins diz que hoje há 4,7 mil pessoas cadastradas. O seguro defeso é de um salário mínimo, pago nos meses de janeiro a abril, quando a pesca fica proibida. A estimativa é de que no ano passado, o benefício tenha injetado R$ 10 milhões na economia local, equivalente a um quinto do orçamento do município para 2012, que foi de R$ 50 milhões. Martins diz que boa parte das pessoas que recebem o seguro são realmente pescadores, mas afirma que o pagamento “ficou muito solto” depois que o governo deixou de exigir atestado da colônia. Com a presença da PF na cidade, os moradores ficaram temerosos de falar do seguro, que se tornou um assunto quase proibido. Muitos temem que o pagamento seja suspenso. “É isso que nos salva”, resume Sandra Rodrigues.

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