Bairro Invasão dos Padres, em Altamira, que será alagado |
O atraso no cumprimento de obras compensatórias atreladas à construção da
hidrelétrica de Belo Monte levou o consórcio Norte Energia,
que é o dono da usina, a fazer algumas mudanças de planos, com o propósito de
não comprometer o cronograma do empreendimento. Essas mudanças mexeram em uma
das áreas mais sensíveis de todo o empreendimento: o reassentamento das
milhares de famílias que terão as suas casas atingidas pela barragem da
hidrelétrica, que está sendo erguida nas águas do rio Xingu, na região de Altamira,
no Pará.
O cronograma da Norte Energia prevê que mais de 7 mil
famílias devem ser remanejadas de suas casas até julho do ano que vem, quando
está prevista a etapa de enchimento do lago da usina. Isso significa fazer a
mudança de aproximadamente 20 mil pessoas no prazo de onze meses. Dessas 7 mil
famílias, 4,1 mil optaram por morar nas vilas que serão construídas pela Norte
Energia. Outras 3 mil deverão receber indenizações ou cartas de
crédito para aquisição de outro imóvel. Para acelerar a construção, a
Norte Energia alterou o material que será usado nas casas. Em vez da
alvenaria tradicional, como estava previsto, as casas começaram a ser erguidas
com uma estrutura de concreto moldado. O material faz com que a casa fique 20%
mais cara que o modelo originalmente previsto, mas é mais fácil e rápido de
trabalhar.
Moradores
equilibram-se em ruas improvisadas com madeira em meio à falta de saneamento em
Altamira
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Os donos de Belo Monte também decidiram reduzir o tamanho
das casas que haviam prometido. No ano passado, a Norte Energia
divulgou panfletos em Altamira, com detalhes sobre as novas residências, as
quais teriam modelos de 60, 69 e 78 metros quadrados, com dois ou três
dormitórios. Agora, decidiu-se que todas terão 63 metros, com três dormitórios.
O terreno de 300 metros quadrados em cada casa foi preservado.
Segundo levantamento feito pela Norte Energia, 54% das
casas que terão de ser desocupadas têm até 60 metros quadrados de área de
construída. Outros 23% tem entre 60 metros e 100 metros e os demais 27% tem
área superior a 100 metros.
As mudanças, reconhece o diretor de engenharia e construção da Norte
Energia, Antônio Kelson, têm o propósito de acelerar a
construção das casas, mas ele afirma que a decisão foi tomada, principalmente,
porque o consórcio teve a intenção de entregar uma estrutura de melhor
qualidade para a população. "Foi uma decisão do acionista dar uma moradia
melhor", diz Kelson.
Não é o que diz o Movimento Xingu Vivo Para Sempre,
organização não governamental que tem liderado manifestações contra a
construção da usina. "A população está vendo seus direitos serem
menosprezados e desrespeitados. Vimos as casas que já fizeram. Elas estão
rachando, porque foram mal feitas", critica Antonia Melo,
coordenadora do Xingu Vivo.
Moradores
equilibram-se em ruas improvisadas com madeira em meio à falta de saneamento em
Altamira
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A Norte Energia confirmou que ocorreram rachaduras na
estrutura de uma das casas, mas atribuiu o problema a serviços de pavimentação
realizados nas ruas, de frente para o imóvel, antes que a obra estivesse
concluída. "O concreto da casa ainda não estava pronto, por isso ocorreram
fissuras", diz Kelson.
As 4,1 mil casas do reassentamento de Belo Monte serão erguidas em cinco
áreas adquiridas pelo consórcio no entorno de Altamira. Em
julho, as primeiras unidades começaram a ser construídas e a expectativa é de
que cerca de 400 unidades habitacionais sejam entregue por mês, até julho do
ano que vem. O orçamento estimado para as ações de reassentamento é de R$ 500
milhões.
O reassentamento das famílias é uma das ações compensatórias mais atrasadas
de Belo Monte. A previsão original era de que o consórcio iniciasse a
construção das de casas ainda em 2011. A Norte Energia, no
entanto, enfrentou uma série de dificuldades para finalmente definir as áreas
que serão adquiridas. A troca de comando na prefeitura neste ano também ajudou
a retardar ainda mais o processo, por conta de revisões no plano diretor da
cidade.
As mudanças nas estruturas das casas serão analisadas pelo Ministério
Público Federal (MPF) em Altamira. "Estamos avaliando o que será feito.
Vamos checar tecnicamente a estrutura dessas casas. As pessoas estão se
sentindo enganadas, porque prometeram uma coisa para elas, mas estão entregando
outra", diz Bruna Menezes Gomes da Silva, procuradora do
MPF.
Passados pouco mais de dois anos do início de sua construção, Belo Monte
chegou neste mês ao seu pico de obra, com um total de 28 mil trabalhadores
circulando nos canteiros instalados ao longo do rio Xingu, em Altamira
(PA). As obras civis atingem 30% de conclusão. O início de operações da usina,
diz Antônio Kelson, segue "rigorosamente em dia",
com previsão de ter a primeira turbina ligada em fevereiro de 2015, apesar de a
usina já acumular um total de cinco meses de paralisações parciais ou totais de
seus canteiros de obra.
Belo Monte terá capacidade instalada de 11.233 megawatts
(MW), com geração garantida de 4.571 (MW), suficiente para atender 18 milhões
de residências, quase 60 milhões de pessoas.
Altamira terá saneamento da Suécia, diz Norte Energia
Segundo maior município do mundo em extensão territorial - o primeiro fica
na Groenlândia -, Altamira nunca soube o que é saneamento
básico. Não há rede de esgoto em toda a cidade e a água tratada só chega a 12%
do território. Reverter esse quadro é uma das ações condicionantes assumidas
pela Norte Energia, projeto que também está atrasado. Os empreendedores de Belo
Monte prometem uma revolução. Nos próximos dias, cerca de 1,1 mil
funcionários devem estar em campo tocando obras de um projeto de saneamento
que, segundo o diretor de engenharia e construção da Norte Energia, Antônio
Kelson, copia modelos implantados em países com a Suécia e a
Inglaterra. "A cidade terá 100% de redes de esgoto e água tratada. Vamos
entregar tudo isso até julho do ano que vem", diz Kelson.
O fato é que o prazo é exíguo e dificilmente será cumprido. Em março, o
Ministério Público Federal (MPF) chegou a acionar o consórcio na Justiça para
exigir a entrega das obras de saneamento básico que, de acordo com o cronograma
do licenciamento ambiental, deveriam ter começado em 2011.
Em maio, o Ibama publicou um relatório de monitoramento das
ações condicionantes de Belo Monte, no qual destacou o
"descompasso" entre as obras de construção da usina e a implementação
das medidas mitigadoras e compensatórias. Os analistas ambientais chamaram a
atenção para o fato de que a situação "poderá se refletir em atraso na
emissão da licença de operação para o empreendimento", que autoriza o
enchimento do lago da hidrelétrica. Procurado pelo Valor, Ibama
informou que ainda avalia as justificativas apresentadas pela Norte
Energia e eventuais sanções.
A reportagem é de André Borges e publicada pelo jornal Valor,
23-08-2013.
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