O funcionário da Ceplac
de Altamira, Pierre Ramalho, após 28 anos de bons serviços prestados ao
órgão, foi demitido de suas funções por denunciar a corrupção que
imperava na Ceplac de Altamira, mesmo tendo suas denúncias sido
comprovadas. Agora, após provar sua inocência foi readmitido no órgão.
Veja seu desabafo no manifesto publicado na íntegra:
MANIFESTO À POPULAÇÃO:
Perigosas e incertas travessias
oceânicas, naufrágios, doenças, isolamento. Essa realidade medonha foi
enfrentada por nossos colonizadores e nos dá uma ideia das dificuldades
para se colonizar o Brasil, uma terra a ultramar, com dimensões
continentais e, numa época de limitados recursos tecnológicos,
entretanto por terem sido empecilhos manifestos foram superados. O mais
difícil até hoje um cancro a nos contaminar foi a CORRUPÇÃO.
Afonso de Albuquerque em seus comentários sobre os desvios nas Colônias
das Índias mostra que a improbidade no Brasil tem origem cultural na
formação do Império lusitano. O ideário da expansão ultramarina cuja
síntese era a apropriação e esbulho das riquezas das terras descobertas
foi a semente da corrupção no Brasil. A Coroa portuguesa explorava suas
Colônias através de um sistema patrimonialista e como eufemismo a suas
tenazes tolerava as fraudes como uma recompensa aos riscos e sacrifícios
enfrentados pelos colonizadores. Para o Reino o que importava eram os
fins, sendo assim a leniência para com os desvios foi uma estratégia
para viabilizar o processo de expansão do Império. Em Vila Rica, capital
das Minas, apesar das punições, ressalte-se, hierarquizadas porque só
escravos e pobres eram condenados à morte, do Contratador Mor ao Bispo
desviar ouro era praxe – Os santos do Pau Oco que o diga. Também,
desde que atendidos os interesses da Coroa era comum bandido ser
transformado em autoridade. Hoje embora de outras formas o costume se
mantem. Afinal desviar do erário é praxe, só fica na cadeia, pobre e, o
que nós temos a sobejar são ladravazes como autoridade. Como se vê os
privilégios e a imoralidade que hoje grassa não é mera coincidência, é
costume. As características de um povo é o conjunto de hábitos
adquiridos. A herança cultural do brasileiro somada à matriz ideológica
da sociedade, pragmática e consumista, desenvolveu na mesma o espírito
da COSA NOSTRA. O patriotismo do brasileiro, ufanista e simbólico
está muito mais para patriotada. O Hino Nacional em seu clamor de
sublimação ao amor a Pátria e ao mito edênico subjaz paradoxos (O Trato à coisa pública, a pobreza do povo).
A Nação não surgiu do magma popular, ou seja, dos anseios e lutas
populares, mas, do descontentamento da classe dominante com a realeza.
Os movimentos sociais populares de contestação, tais como o Cangaço,
Canudos, Contestado, etc., esses últimos movidos por exacerbado
misticismo não tinham objetivos político/ideológicos, limitavam-se
apenas a reações violentas contra as injustiças sociais. A Nação sempre
foi elitizada, emergiu por força dos interesses econômicos da classe
dominante. Esse fato criou no inconsciente coletivo um abismo entre as
partes. O Estado a ferro e fogo foi imposto a negros e índios. Essas
duas etnias de cuja miscigenação com o europeu surgiu a Nação brasileira
sob a égide de uma elite escravocrata da forma mais ultrajante e
desumana que se possa imaginar foram subjugadas através de um sistema
patrimonialista estamental extremamente arbitrário que adentrou pela
República embora com outras facetas. Esta ambiência social gerou nas
camadas subjugadas sentimentos de inveja, revolta e desprezo a tudo que
represente o poder constituído. Dessa forma a interação Estado/Povo
imprescindível à formação da consciência nacional, enfim da cidadania,
não se consolidou. Os anais da história da guerra do Paraguai revela
além de um mar de corrupção e desvios, a apatia do povo em relação ao
Estado. Dentre outros mitos derruba o decantado heroísmo dos voluntários
da Pátria nesse genocídio a serviço da Inglaterra. Apesar de punidas
com pena de morte as deserções eram frequentes e ocorriam em massa
porque escravos e desclassificados sociais, maioria da tropa brasileira
lutava não por sentimento patriótico, mas obrigada ainda que houvesse
promessas de alforria e recompensa pecuniária. Por razões óbvias
historicamente o povo sempre foi alheio ao Estado. Embora o advento da
abolição da escravatura tenha rompido os grilhões do cativeiro, a grande
massa popular passou a viver em condições de desamparo muitas vezes
piores que na escravidão. A Nação para os que detêm o poder foi e
continua sendo uma Vaca de Divinas Tetas. Para a outra banda da sociedade algo que não lhe pertence. Uma Megera
autoritária que se sobrepõe distante impondo leis, enfim, a dona do
poder e da força pela qual não existe solidariedade. Por mais aviltantes
que tenham sido as palavras do marechal Degaulle “O Brasil não é um País de gente séria”, elas foram pertinentes, próprias à banda podre
da sociedade. Não se trata de xenofilia, fatalismo ou escárnio à nossa
origem luso/afro/tupiniquim, nossa história dá respaldo ao conceito
degoliano que mexeu com a hipocrisia nacional. As Caravelas lusas
diferentemente do Mayflower não trouxeram Pilgrim Fathers, mas
degradados e, aventureiros; Escumalha de Portugal e, vorazes aves de
rapina. Gente sem escrúpulos, ambiciosa, cujo objetivo maior era fazer
fortuna para ostentar na Corte. Não existia o ideal de formação de uma
nova sociedade. A colônia era ergástulo para os degradados, dádiva a ser
espoliada pelos áulicos do Reino. Apesar dos séculos essa ótica de
desprezo e de espoliação continua. Hoje, o patrimônio público como a
Colônia de outrora, é visto como algo para se tirar vantagens. Esse
hábito secular gerou o descompromisso com a Res Pública. Aforismos como; “É DO GOVERNO”, “TODO MUNDO ROUBA”, para justificar vandalismos e improbidades por se só se explicam. O imortal Rui Barbosa expressou sua indignação ante a imoralidade que grassava na sua época com uma sentença memorável. “De
tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agastar-se o poder nas mãos
dos maus, chegará o dia do homem rir-se da honra, desanimar-se de
justiça, de ter vergonha de ser honesto”. Acredito que razões
políticas levaram o insigne jurisconsulto a conjugar o verbo no futuro.
Nossa história mostra que a improbidade faz parte do genoma cultural do
brasileiro e, desde nossos primórdios ser honesto é dar um atestado de nescidade. Palmério Dória
em HONORÁVEIS BANDIDOS, ao expor a lama dos bastidores do poder através
das improbidades de destacados políticos revela o paroxismo dessa
síndrome de moralidade assim corroborando o “vaticínio” de Rui, também,
nossa concepção sobre a banalização do ilícito. Apesar do combate à
corrupção vir endurecendo, de a sociedade organizada vir manifestando
seu repúdio em todo o País, muitas vezes obscurecido por atos de
vandalismo que demonstram muito mais explosões de ressentimentos
indômitos do subconsciente gerados pela exclusão social do que revolta
politicamente correta, a corrupção grassa em todos os estratos da
sociedade. A cultura da fraude é fomentada pela brutal desigualdade
socioeconômica que no Brasil tem sido a causa maior da violência,
sobretudo da corrupção o que torna difícil combater essas mazelas
sociais porque além de brechas jurídicas e da força do poder econômico, a
estrutura da sociedade alimenta as mesmas. Embora afetando todos os
segmentos sociais o que chega a beirar utopia imaginar vencer a
metástase desses cânceres que minam o País, não podemos aceitar
como nosso destino manifesto o caos moral, o império da violência. Para
depurar-nos dessas malignidades urge mudanças nas leis, sobretudo
punições mais severas que inibam os potenciais infratores. Além do
aparato legal urge também mudanças no enfoque das políticas públicas.
Mesmo nos governos politicamente afinados com as classes populares,
cujas políticas sociais a bem da verdade imprimiram melhorias nas
condições de vida dos excluídos, o poder econômico é quem dá as cartas.
Assim, o milenar Pão e Circo como estratégia de preservação do
Status Quo, continua a ser o ópio do povo. A pretexto de interesse
público a Nação literalmente é privatizada. Faltam recursos para tornar
eficientes programas vitais à população, como, educação e Saúde.
Educação de qualidade única forma de resgatar o povo do secular estado
de ignorância, de mendicância do poder público, no Brasil, apesar do
crescimento quantitativo lamentavelmente é coisa de somenos importância.
Entretanto gastam-se bilhões em engodos sociais e obras faraônicas que
atendem muito mais os interesses das grandes Empreiteiras e Bancos. A
consequência é um povo desinformado, socialmente, mera massa de manobra.
Em verdade somos uma democracia que escamoteia uma plutocracia
dissimulada em prepostos políticos. A República rompeu o rígido
estamento social colonialista e o desenvolvimento tecnológico contribuiu
para uma maior disseminação do conhecimento e acesso aos bens de
consumo. Entretanto, mais de um século a nos separar desse momento
histórico pouca coisa mudou para a base de nossa pirâmide social hoje
composta de analfabetos funcionais, gente sem massa crítica que estagnou
ante o avanço das ciências por força de um sistema educacional
ineficiente, discriminatório, em que a qualidade do ensino só esta ao
alcance dos que tem poder econômico. O povo sem qualificação em um mundo
globalizado cada vez mais tecnificado e seletivo literalmente vira
entulho humano. Assim, multidões de ociosos que o processo de
urbanização da sociedade cada vez mais multiplica são impelidas para as
fímbrias da sociedade inchando periferias urbanas, mourejando no
subemprego ou na informalidade se constituindo no ventre das mazelas
sociais que são os maiores problemas da atualidade (Corrupção e
violência). Sem entender as engrenagens da economia, alienado e
deslumbrado em uma sociedade que simultaneamente induz e castra sonhos, o
indivíduo ébrio pela cultura do consumo e alheado da realidade social é
envolvido pelo vórtice das fascinações e engodos do Sistema passando a
vivenciar um dilema que torna fluida a fronteira entre o cidadão e o
delinquente. Apesar de sermos uma das vinte maiores economias do mundo
nos destacamos em corrupção e desigualdade cuja expressão maior é uma
dicotomia social que permite um grande paradoxo – A existência do
primeiro mundo em um gigantesco Haiti. A raiz etimológica da palavra
candidato é CÂNDIDO, entretanto o ilícito em nossa sociedade de
tão explícito e absurdo que transforma imoralidade em coisa natural.
Começa pelo Congresso Nacional, palco de frequentes escândalos que o
deixa muito mais para covil, do que para Casa de Leis. A população vai a
reboque, dá também seu atestado de amoralidade elegendo políticos com
pedestal destacado na galeria da delinquência política. A
leniência das leis permite brechas para os ladravazes usufruírem de suas
espertezas. Assim, apesar do risco de eventual prisão desviar recursos
públicos é um excelente negócio. Esses exemplos degradam a sociedade,
consolidam a lei de Gerson, permitem que os corruptos
tripudiem da legalidade. O nosso pensamento jurídico por incrível que
pareça ainda é bastante influenciado pelo “Corpus Iuris Civilis”, obra do imperador romano Justiniano, que cria redomas para quem pode, por
outra banda, flagelos para os desvalidos. Esse anacronismo em que
filigranas jurídicas criam brechas que emperram ou cerceiam a justiça
tem sido o fermento da degeneração da moralidade pública. O
Estado Maior do Poder executivo, segundo Raimundo Faoro, uma versão
moderna do Estamento Burocrático, criatura e instrumento do Estado
patrimonialista português, lastreado por um aparato jurídico obscuro e
arbitrário, embora dissimulado, ainda hoje existe. Não obstante nossos
atuais códigos jurídicos se inspirarem no pensamento iluminista da
revolução francesa, respeitando-se as diferenças das estruturas sociais
vigentes a influencia das Ordenações Filipinas (1603) base do nosso
sistema jurídico até os primórdios da República continuam latentes dando
status imperial aos poderosos para sobrepor o direito da força, em
detrimento da força do direito. Essa realidade compromete a
credibilidade nas Instituições, nas Autoridades, sobretudo, na Justiça.
Todavia, não podemos deixar de acreditar nas Instituições e nas
autoridades legalmente constituídas como pilares de sustentação do
Estado Democrático de Direito, como instrumentos de controle da
sociedade, enfim, como mantenedoras dos direitos e deveres
constitucionais, porque se há os que são verdadeiros monumentos vivos
à indecência, também há os que são monumentos vivos à dignidade. Eu sou
uma vítima desse Sistema. Tripudiaram-me, execraram-me como persona non
grata. Parodiando Alceu Valença, “Dom Quixote liberto de Cervantes, descobri que os moinhos são reais”.
Dispor-se a enfrentar os esquemas de corrupção em uma sociedade como a
nossa requer tempera para arcar com o ônus da ousadia. Por mais
inverossímil que pareça fui exonerado após vinte e oito anos de serviços
prestados porque em uma entrevista denunciei a cúpula da CEPLAC, à
época. Sofismando e, em conluio com um advogado da União urdiram um
estratagema para exonerar-me apesar de minhas denúncias terem sido
comprovadas por auditorias da Controladoria Geral da União. Mesmo assim,
prevaleceu o direito da força, fui exonerado sob a acusação de Incontinência Pública, de haver tornado público assuntos “interna córporis”, leia-se – IMPROBIDADES.
Literalmente, cinco séculos depois a história se repetiu através da
reencarnação de Tomas Torquemada, no citado procurador federal, meu
inimigo capital por eu o haver denunciado, mesmo assim, nomeado para
presidir o inquérito contra mim instaurado. O resultado não poderia ser
outro, um Alto de Fé, no qual eu já estava condenado antes de ser
julgado. Em 2006, uma analise da higidez do referido processo da lavra
da Corregedoria Setorial do MAPA na (CGU) concluiu padecer o mesmo de
vício insanável. Quase doze anos depois apesar de minha luta por justiça
minha exoneração persiste. Reintegrar-me ao serviço público para mim é
acima de tudo uma questão de honra. A exoneração macula minha imagem,
lança suspeição à minha idoneidade. Indecência e integridade emanam da
natureza bifronte do caráter humano e independem de ideologia, religião
ou intelectualidade. Para Nietzsche – O QUE NÃO MATA O HOMEM, O TORNA MAIS FORTE. É
fato. Quase doze anos de privações prejudicou bastante a mim e a minha
família inclusive contribuindo para que eu não pudesse evitar a tragédia
que se abateu sobre nós. Tal qual Fênix rediviva, ressurjo das cinzas. As provações fortaleceram minha determinação de lutar pelo meu maior patrimônio – MINHA DIGNIDADE. (O HOMEM QUE DESCONHECE É IGNORANTE, MAS, QUEM SABE E SE CALA, É CRIMINOSO)
– Bertolt Brecht. Concordo plenamente. A omissão medra o caráter, por
extensão a cidadania, pilar de uma sociedade digna. Fui punido por não
haver me omitido. Não me arrependo, expresso meu estado de espírito
parodiando Fernando Pessoa – “Tudo vale à pena se a causa não é pequena”.
Minha reintegração será o corolário de uma árdua batalha. Apesar das
dificuldades não esmaeço porque quando se luta com razão o coração fica
valente. Ademais, tenho Sócrates como referencia de vida. Mesmo que
minha luta seja inócua jamais me considerarei derrotado porque tenho
como troféu os louros da honra. Agradeço aos que se solidarizam comigo,
lamento não poder citar todos. Ressalto a importância dos amigos e da
família nos momentos de dificuldades, especialmente a de Rosiana,
minha mulher e companheira em toda acepção da palavra, que para meu
infortúnio faleceu por eu não haver tido condições de transferi-la para
um Centro mais capacitado, enfim, por incompetência médica no Hospital
Regional de Altamira. Não poderia deixar de citar algumas pessoas que
abraçam minha causa movidas por juízo de valores. Sem hierarquizar meus
débitos, Jay Wallace, figura prima na articulação de minha reintegração,
William F. Brito e, Eliel – um irmão fraterno. Pelo descortino jurídico
e compromisso com a justiça, Dr.ª Flávia Maria da Silva Pisceta, Dr.
Jorge Menezes, consultor jurídico da Casa Civil da Presidência da
República e, o deputado federal José Geraldo. Honestamente frustrou-me o
Procurador que se comprazia em ser meu algoz ter falecido. Aos demais
membros do Colegiado, meros títeres, especialmente à cúpula da CEPLAC, á
época, ressalto que posso andar de fronte erguida porque tive o
privilégio de ter um berço que me legou como patrimônio maior a
dignidade, ante o qual eu tenho o dever e a honra de poder lega-lo aos
meus filhos. Reintegrar-me e dar publicidade à minha reintegração não é
orgulho, pois se assim considerasse estaria a vangloriar-me de uma
vitória de Pirro. É a consciência do dever enquanto cidadão e agente
público de prestar satisfação dos seus atos à sociedade, sobretudo, aos
amigos e à minha família. Ao romper as fronteiras do pessoal minha causa
se insere no contexto de uma realidade nacional (Corrupção e abuso de poder),
sendo assim, espero que esse manifesto possa servir de paradigma. Temos
a responsabilidade de legar à nossa posteridade uma sociedade digna e
esta só poderá ser construída se for sob a égide da liberdade, da
soberania, da moralidade e, da justiça.
Pierre Ramalho de Souza Ramos
Fonte: RG 15/O Impacto
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