Região registrou o dobro de focos de incêndio na comparação com o ano passado, e devastação avança com rapidez
A imagem de um tronco queimado de castanheira, a árvore rainha da Amazônia, em meio à terra fumegante virou paisagem constante ao longo das rodovias que cortam o bioma. Com mais de 82 mil focos de incêndio de 1º de janeiro a 9 setembro deste ano, a Amazônia já alcançou o dobro de queimadas no mesmo período de 2023 e o recorde da série histórica desde 2007, quando registrou 85 mil pontos de fogo. O GLOBO percorreu cerca de 1.600 quilômetros na BR-163, que liga Santarém (PA) a Cuiabá, na BR-230 (a Transamazônica) e na Transgarimpeira (na Bacia do Tapajós) e presenciou o avanço do fogo sobre a floresta, pastos e casas que margeiam as rodovias.
Na altura da cidade de Trairão (PA), na beira da BR-163, uma família precisou sair da residência às pressas para tentar conter as chamas que vinham do terreno ao lado. Enquanto uma mulher retirava os objetos de casa, um homem tentava jogar terra sobre o fogo com um trator. Alguns vizinhos se aproximaram com baldes e uma mangueira para barrar a voracidade do fogo, que se espalhava à medida que o mato aumentava. Era mais um cena que virou rotina na região desde agosto, quando se intensificou a seca.
Incêndios mudam paisagem na Amazônia
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o município com mais focos de calor é São Félix do Xingu (PA), com 4.988 pontos. O prefeito João Cleber de Souza Torres (MDB) atribui a queimada à estiagem severa e ao costume da população de usar o fogo para preparar a roça.
— Tem muito fogo acidental e alguns podem ser criminosos. O pessoal coloca fogo em pequenas roças e no quintal. A seca neste ano também foi a mais severa, como não víamos desde a década de 80. A última vez que choveu foi em maio — disse ele.
Amazônia em chamas
Na beira da BR-163, a Floresta Jamanxim, em Trairão (PA), em chamas — Foto: Cristiano Mariz
Queimadas se espalham na região
O município também abriga a Terra Indígena Apyterewa, que passa por um processo de desintrusão de grileiros e garimpeiros por parte do governo federal. Agentes e brigadistas do Ibama estão combatendo as queimadas no local. Segundo apurações da equipe do órgão ambiental, alguns invasores atearam fogo na área para impedir que os fiscais retirassem o gado da reserva. A denúncia foi encaminhada à Polícia Federal, que já abriu neste ano outros 19 inquéritos para apurar a ocorrência de incêndios criminosos na Amazônia e Pantanal.Na área do parque nacional do Jamanxim (PA), a situação também é dramática. Durante a noite, o fogo avançava com rapidez nas margens da BR-163 deixando a terra em brasa. A fumaça provoca ardência nos olhos e dificulta a respiração. A reportagem testemunhou uma casa de madeira sendo devorada pelas chamas, enquanto os motoristas desaceleravam na pista com medo de as labaredas atingirem os veículos.No distrito do Jardim do Ouro, em Itaituba (PA), alguns bois se dirigiram para o meio da rodovia Transgarimpeira para escapar do fogo que avançava sobre o pasto. Em uma cena rara na Amazônia, o sol a pino virou uma penumbra avermelhada às 13 horas com a fumaça espessa que cobria o céu. Na paisagem, subsistiam os troncos das enormes castanheiras, que podem chegar a até 50 metros de altura, em meio ao mato rasteiro em cinzas. Araras azuis e papagaios fugiam do calor em revoada, enquanto os buritis ardiam em chamas.Mais à frente, no distrito de Moraes Almeida (PA), a fumaça atrapalhava a visibilidade na pista de pouso de aviões pequenos que vinham dos garimpos da região.
— Sempre tem fumaça nessa época, mas não tanto como agora — comentou a Emilia Silva, que mora à beira da BR-163.Além do pequeno aeroporto do garimpo, o distrito é formado por serrarias, madeireiras e fazendas de gado erguidas no coração da Amazônia.
Descendo pela BR-163, a fumaça se intensifica no município de Novo Progresso (PA), que ficou conhecido nacionalmente pelo chamado "Dia do Fogo" em 2019, quando fazendeiros da região organizaram uma vaquinha para pagar o combustível e abrir o pasto no "dia D" da queimada. O prefeito da cidade, Gelson Dill (MDB), afirmou que a situação atual está pior do que a dos últimos anos.— Eu moro aqui há 25 anos e não me lembro de ter vivido uma seca tão grande. A brigada de bombeiros mais próxima daqui fica a 400 quilômetros. Estamos tentando usar os nossos caminhões pipas, mas eles não conseguem acesso às áreas — disse o prefeito.
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