Mais de dois milhões de pessoas já morreram em todo o planeta, infectadas pelo novo coronavírus. O Brasil abriga 3% da população mundial e registra 10% das mortes. É evidente a péssima atuação dos governos - federal, estaduais e municipais - no enfrentamento à pandemia. A tragédia no Amazonas é o prenúncio do que espera o restante do país nas próximas semanas. O Amazonas desativou 85% de seus leitos hospitalares destinados aos doentes de Covid. No final do ano festas reuniam milhares de pessoas. Isso lembra as multidões enlouquecidas no réveillon do Rio gritando "me intuba". Não à toa, não há leitos de UTI disponíveis no Rio de Janeiro. A Covid está explodindo lá, tanto quanto a violência. E no Pará? Todos os hospitais de campanha foram desativados, exceto o do Hangar. Um foi anunciado e sequer funcionou, no gigantesco templo da igreja Assembleia de Deus. Não se tem notícia de sequer uma maca, quanto mais respiradores, cilindros de oxigênio, tomógrafos e outros equipamentos que estavam neles terem sido destinados aos hospitais do interior. Milhares de pessoas se aglomeraram em festas de confraternização, shows e na celebração do réveillon. Outros tantos viajaram, como o perigo tivesse acabado. Houve multidão comemorando até vitória futebolística. O governo estadual e os prefeitos fecharam os olhos, para não criar antipatia. O tráfego hidroviário e aéreo entre o Amazonas e Pará é diário e intenso, principalmente na região do Baixo Amazonas e no Marajó, só ontem foi barrado. Mas os voos continuam. Belém é Manaus amanhã... Nos hospitais do Pará, muita gente está intubada em UTIs desde a semana passada, já com a nova cepa do coronavírus, adquirida no território amazonense.
Impossível não se comover às lágrimas perante dezenas de bebês prematuros precisando de UTI neonatal para sobreviver. De doentes de todas as idades morrendo em casa porque não há leitos disponíveis e outros morrendo no hospital sem poder respirar. Não queiram saber o horror, o martírio de alguém morrer assim. É de clamar aos céus. Mas as redes sociais continuam divulgando festas, como essa de amanhã aqui em Belém que se observa no folder. Pelo amor de Deus! Essas pessoas não têm noção. Em 15 dias o Pará estará igualzinho ao Amazonas se continuar assim. Quantos terão que morrer para que impeçam essa sanha desumana?
A cientista Ethel Maciel, enfermeira e doutora em epidemiologia, professora titular da Universidade Federal do Espírito Santo, confirma que esta situação desesperadora foi avisada, todo mundo sabia que ia acontecer. E fulmina: "É muita incompetência. Nesta pandemia, o que aconteceu primeiro em Manaus sempre aconteceu depois no resto do Brasil. Manaus sempre está na frente e depois a gente vai seguindo. Provavelmente é essa nova variante, que é muito mais agressiva e estamos vendo, inclusive, casos de reinfecção. A pergunta que não quer calar é: quais os estoques de oxigênio dos outros estados, o que temos efetivamente para enfrentar essa segunda onda? EPIs, o que foi comprado, a gente está preparado? Vai estourar em outros estados. Estamos cometendo os mesmos erros, e os outros estados também estão achando que não vai acontecer com eles. Vimos o que aconteceu na Europa [no início de 2020], achamos que não aconteceria aqui, ocorreu em Manaus primeiro e depois no resto do Brasil. Vimos a segunda onda na Europa, pensamos que não se repetiria aqui, acontece em Manaus primeiro e daqui a pouco se replica no resto do país. A história é a mesma, a pandemia tem sido consistente. Temos que ficar em alerta porque vai acontecer em outros estados, já estamos vendo São Paulo, tem vários lugares onde estão aumentando o número de casos e mortes. Está na nossa frente a coisa acontecendo, e não sei por que a gente não acredita. É um despreparo [dos gestores públicos], porque nesse momento, depois de um ano, já deveríamos ter aprendido. "
A pesquisadora acentua que a vacina é uma estratégia de saúde pública que tem que ser feita em larga escala e que vai impactar a nossa curva de transmissão. Reduzirá em 78% o número de consultas médicas, exames, serviços de saúde, de assistência especializada. Desafogará o sistema. "Nunca controlamos a pandemia e os profissionais de saúde estão sob muito risco. A campanha de vacinação do Governo Federal já deveria estar na praça, somos o único país do mundo que consegue vacinar, no mesmo dia, 10 milhões de pessoas, a gente sabe fazer. O problema é termos as doses."
Em seu Relatório Mundial 2021, divulgado nesta semana, a ONG Human Rights Watch avalia que Bolsonaro “sabotou” as medidas contra a disseminação da Covid-19 no Brasil: começou com a “gripezinha”, depois o não uso da máscara, a questão de que precisava abrir tudo, senão a economia ia quebrar. E agora quem tomar vacina vai virar jacaré. Em março do ano passado, a doutora Ethel foi a mais votada pela comunidade acadêmica da Ufes e encabeçou a lista tríplice para a reitoria, mas foi preterida pelo presidente Bolsonaro. O defeito insanável dela: ativista pelos direitos humanos e feminista.
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