O dia
amanheceu nublado na rua São Sebastião e a chuva trouxe novos medos aos
moradores da comunidade São João Batista, em Abaetetuba. No início da
manhã de ontem, moradores detectaram novas rachaduras em edificações
próximas ao local em que, no último dia 4 de janeiro, uma erosão
derrubou casas, deixou outras à beira de um desabamento e engoliu parte
da rua Siqueira Mendes.
“Acordamos com muito medo das novas
rachaduras que apareceram nesta manhã. As rachaduras estão pelo chão e
pelas casas. Algumas têm mais de 10 metros”, afirmou preocupado o
comerciante Cléber Rodrigues, que perdeu a casa que morava, onde também
funcionava seu ponto comercial. “Hoje eu e minha família estamos morando
de favor na casa de amigos. Não tenho nem ideia qual o tamanho do meu
prejuízo”, lamentou o comerciante.
O surgimento das novas rachaduras nas ruas e
casas que está tirando o sono da população ainda deve continuar,
segundo a geóloga Dianne Fonseca, do Serviço Geológico do Brasil (CPRM).
A pedido da Defesa Civil, ela e um grupo de técnicos e engenheiros
estão fazendo levantamentos sobre as possíveis causas do acidente.
“Temos informações de moradores da região de que a área do acidente já
foi utilizada para extração de argila anteriormente, o que pode ter
causado um buraco no solo. O aterro foi feito com materiais orgânicos
diferentes e as construções feitas sobre ele eram uma sobrecarga grande
de peso para o terreno”, informou a geóloga.
“O que aconteceu é fruto de um fenômeno
natural e comum nesta região, que é a movimentação das águas. No período
de enchente, a força da água junto à margem aumenta, causando uma
erosão”, explicou o engenheiro sanitarista David Lopes, também do CPRM.
Novos sonhos
No ginásio municipal, as famílias sonham com
um lar novamente. Os desabrigados que aguardam por novas moradias dizem
ter perdido tudo, mas a força para continuar vem da felicidade de não
ter perdido a vida. “Perdi tudo. Perdi minha casa e todos meus móveis,
roupas e pertences, mas graças a Deus minha família está comigo”,
explicou com um sorriso Esmelita Gonçalves.
Mesmo com os poucos pertences que recebeu de
doação, Esmelita se sente agradecida e sonha em poder voltar à vida
normal. “Só tínhamos nossa casinha de madeira, que ficava em cima do
rio. Agora só queremos encontrar um novo lugar para morar e poder voltar
a pescar para sobreviver.”
Orla da cidade já tem 49 interdições
A prefeita do município, Francinete
Carvalho, decretou no último dia 6 situação de emergência no município.
No documento a prefeita afirma que no desastre foram perdidos 13 imóveis
e outros 23 interditados pelo corpo técnico municipal.
O engenheiro da prefeitura, Noé Dias,
confirmou que a área interditada deve aumentar com o surgimento das
novas rachaduras e com o estudo dos técnicos do Serviço Geológico. “Com o
apoio da Defesa Civil e do CPRM estamos avaliando os riscos para
delimitar essas áreas. Inicialmente eram 23 imóveis interditados,
chegamos a 36 e hoje já estamos em 49”, explicou.
A tristeza era evidente nos olho do
carpinteiro Lourival Silva e sua família enquanto encaixotavam seus
pertences. Apesar de sua casa não ter sido atingida pela erosão do
último sábado, as novas rachaduras que surgiram essa manhã os colocou em
uma zona de risco e eles terão que deixar a casa. “Logo cedo percebemos
que o fio elétrico está mais esticado e as rachaduras novas apareceram e
estão se aproximando. Vamos contar com a ajuda de amigos e parentes
pois é um risco ficar aqui”, informou.
Apesar de sua casa e seu estabelecimento
comercial já estarem interditados pela Defesa Civil desde a última
segunda-feira, o empresário Ademar Ferreira, proprietário da Estância
Cuca, que fica localizada bem em frente ao desabamento, insistia em
permanecer no local. O grupo de técnicos e de bombeiros precisaram ir
até sua casa e informar que as rachaduras estavam aumentando e o risco
de permanecer ali também. “Vamos tentar sair ainda hoje. Já estamos
providenciando a retirada de nossos pertences, sabemos dos riscos”,
comentou o empresário.
“No momento o ideal é a retirada das pessoas
do local pois ainda existem trincas que estão abrindo e podem vir a
abrir pois o terreno ainda está se estabilizando. Inclusive, é preciso
esperar o término do período de chuvas, para que o solo seque e a
movimentação do terreno diminua para poder pensar sobre o que será feito
no local”, comentou a geóloga que reafirma a importância de ser dada
uma destinação a área para que novas ocupações irregulares não
aconteçam.
A população de Abaetetuba nem sonhava estar
vivendo um janeiro assim. A maioria dos moradores vivia há mais de 20
anos no local da erosão e nunca tinha visto nada parecido. A fatalidade
insere a cidade na lista dos 800 municípios eleitos como prioritários
pelo Governo Federal para que sejam realizados mapeamento dos riscos,
não só no local do acidente mas em toda a cidade.
Em uma volta de lancha na orla da cidade a
geóloga apontava outros pontos aparentemente críticos na região e que
precisam de cuidado. “As áreas demarcadas como de risco serão
monitoradas pelo Plano de Emergência do Programa Nacional de Redução de
Desastres e desta forma tentar evitar os acidentes antes que eles
aconteçam”, explicou a geóloga Dianne.
(Diário do Pará)
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