Trabalho realizado pela Universidade de Roma aponta a disfunção erétil como uma possível consequência; especialistas explicam
Estudo da Universidade de Roma, divulgado em março último, aponta a disfunção erétil (impotência sexual) como uma das possíveis sequelas da covid-19. Cem indivíduos foram incluídos na análise (25 positivos para covid-19 e 75 negativos). A prevalência de disfunção erétil foi de 28% no grupo cujos resultados foram positivos para covid-19, contra 9,33% do grupo cujos resultados foram negativos.
O urologista Fernando Nestor Facio Jr., membro da Sociedade Brasileira de Urologia, em São Paulo, confirma que esse tipo de caso tem se repetido em seus atendimentos.
"Tenho alguns pacientes que tiveram covid-19 de forma grave, ficaram intubados, permaneceram de 10 a 15 dias na UTI e hoje retornam com o critério de cura muito assustados, com muito medo e principalmente a função erétil debilitada", conta.
O especialista acrescenta que alterações hormonais, entre outras, também podem causar a disfunção erétil.
"É comum fazer a avaliação hormonal desses pacientes e em alguns deles parece que a baixa de testosterona também é uma contribuição para essa perda de massa muscular, todo o comprometimento feito pelo vírus também poderia estar comprometendo também a parte do libido. Tenho sim tido esses pacientes", ressalta.
Segundo o estudo, a disfunção endotelial (alteração da camada que reveste os vasos sanguíneos) tem sido considerada como o potencial gatilho para o aparecimento de formas mais graves de covid-19, bem como a ligação entre diferentes comorbidades associadas à doença.
"Na verdade, a covid-19 é por todos os meios uma doença endotelial, na qual as manifestações sistêmicas da doença podem ser potencialmente decorrentes de isquemia tecidual (diminuição da passagem do sangue) resultante de alterações no equilíbrio trombótico e fibrinolítico endotelial (que evita coágulos)", ressalta um trecho do trabalho.
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O estudo ressalta, ainda, que até mesmo casos de covid-19 assintomáticos podem desencadear problemas de ereção no futuro, em função do comprometimento vascular.
O urologista Carlos Alberto Ricetto Sacomani, doutor em Urologia pela USP (Universidade de São Paulo), explica que o resultado do estudo demonstra que a covid-19 causa esse acometimento vascular generalizado, chamado acometimento endotelial dos vasos sanguíneos.
"Isso pode estar relacionado com essa disfunção erétil, já que a ereção é um fenômeno puramente vascular, caracterizado pela chegada de sangue pela artéria cavernosa, no corpo cavernoso e ocorrendo com isso a ereção. O estudo mostrou essa influência. O tempo que isso dura não pôde ser avaliado, então não sabemos ainda se é temporário, definitivo, se há sequelas da performance sexual a longo prazo", observa.
Segundo o estudo, a gravidade e a prevalência de disfunção erétil em casos de covid-19 são maiores entre homens que sofrem de hipertensão, obesidade, diabetes e histórico de doença cardiovascular. E aqueles que já sofrem de disfunção erétil também podem estar incluídos nos grupos de risco quando contaminados pelo coronavírus.
"Os mesmos pacientes que têm covid-19 mais grave muitas vezes têm outras comorbidades, como obesidade, dislipidemia (fatores que favorecem a arterioesclerose), alteração cardíaca que também estão relacionadas com ereção. Eventualmente, o agravamento destas doenças pode também agravar o quadro do covid-19" diz Sacomani.
Recuperação pós-covid
Aos 44 anos, Leonardo S. (nome fictício) é um dos que estão passando por dificuldades sexuais como sequela da covid-19. Dinâmico, como empresário no ramo de cozinha industrial, ele frequentava eventos ligados ao setor, estando sempre atualizado em relação às novidades.
Até que veio a pandemia. Leonardo teve de reduzir as atividades, como a maioria da população. Entrou na quarentena, inclusive porque seu filho mais velho, de 12 anos, é asmático e seguiu com disciplina os protocolos.
Na única "bobeada", como ele diz, acabou sendo contagiado pelo coronavírus, em um festival gastronômico. Foi quando se iniciou o maior drama de sua vida.
"Imagino que foi naquele evento (em fevereiro último). Não havia ventilação e o local era fechado. Foi meu único vacilo. Estava há mais de um ano seguindo à risca e, de repente, acreditei que não iria haver problema. Acabei sendo hospitalizado, indo para a UTI e ficando 9 dias intubado. No total, fiquei 26 dias no hospital", conta.
Passado o sufoco, ao sair do hospital, em 19 de março último, ele entrou naquela situação que se tornou quase um lema daqueles que se deparam com a doença: pensar em um dia de cada vez.
E, além da falta de ar intensa, perda da massa muscular, lentidão de movimentos, Leonardo sentiu uma forte dor no testículo direito, assim como dor nas pernas e articulações. As dificuldades em sua vida sexual vieram em seguida.
"Quando voltei para casa, demorou cerca de 15 dias para tentar ter a primeira relação sexual. Como o pulmão estava muito frágil, não queria forçar, desviar o sangue para a região peniana. Foi muito difícil. Até hoje sinto muita dificuldade nos movimentos. Levanto da cama, tenho de parar. Ando um pouco, paro de novo. Subo uma escada, paro para puxar o ar. Ter relações sexuais agora é extremamente complicado. Fico exausto. Dá medo, a falta de ar é pesada. Chega a dar desespero", diz ele, que já se livrou do cilindro de oxigênio, mas realiza fisioterapia diária, pulmonar e muscular, tendo voltado ao trabalho, mas em ritmo mais lento.
Na opinião de Facio Jr., essas dificuldades na relação sexual, que podem surgir no pós-covid-19, têm como causa a própria característica sistêmica da doença.
"Há um comprometimento viral que ataca por completo várias áreas vitais do organismo: pulmão, musculatura, coração, rins. Isso debilita por demais o paciente. O comprometimento endotelial, a falta de oxigenação, tudo isso dificulta a recuperação de algo que, embora não seja totalmente vital, é importante. Mas primeiro o paciente precisa recuperar a musculatura, a respiração triangular, voltar para a vida, para depois tratar de reconstituir a função sexual", afirma.
O urologista Sacomani acrescenta que situações como a vivida por Leonardo têm no fator psicológico um componente importante.
"Há também a questão do impacto psicológico. Pacientes com covid-19 mais grave que ficaram internados, intubados em UTI, podem enfrentar um período de ansiedade, depressão e alterações da saúde mental que podem impactar na performance e função sexuais", completa.
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