quarta-feira, 19 de maio de 2021

Chacina do Guamá completa dois anos; aproximadamente 15 crianças ficaram órfãs das vítimas

O crime ocorreu, em 19 de maio de 2019, no até então “Bar da Vanda”

Sair de casa sem o medo de não poder voltar é algo que não faz parte da vida dos moradores da passagem Jambu, no bairro do Guamá, em Belém. Apesar da segurança ser um direito assegurado pelo Artigo 5º da Constituição, desde a tarde do dia 19 de maio de 2019, quando ocorreu a “Chacina do Guamá”, moradores do trecho e arredores não puderam ter a tranquilidade de ir à feira, estudar, trabalhar ou simplesmente conversar com o vizinho na frente de suas residências sem lembrar do que houve há dois anos. Hoje, 19, o crime que mudou para sempre a vida de diversas famílias completa dois anos.
“Chacina do Guamá” foi como ficou conhecido o episódio marcado por um ataque de homens, armados e encapuzados, a frequentadores de um estabelecimento comercial chamado “Bar da Vanda”. Na ocasião, 11 pessoas foram assassinadas, entre elas, cinco mulheres, durante uma festa que ocorria no local. Na época, o crime repercutiu nacionalmente e gerou uma onda de manifestações realizadas por moradores, religiosos, militantes dos direitos humanos e outros grupos sociais que clamavam por justiça e seguranças nas periferias.
“Até hoje minha mãe tem medo de que meu irmão e eu saiamos de casa porque ela teme que a gente seja confundido com outras pessoas, muitos jovens morrem na periferia né”, disse uma moradora que pediu para não ser identificada. Ela conta que a passagem Jambu, onde residem pessoas idosas em sua maioria, ficou marcada pela chacina de 2019. “Certa vez uma pessoa apareceu na rua, interessada em comprar uma casa, mas bastou ela ouvir a palavra ‘Jambu’ que desistiu na hora”, contou.
Reações como essa de não tocar no assunto são comuns entre as pessoas que moram no local do crime ou em vias próximas por causa do medo de represálias. Casos como a chacina na passagem Jambu fazem com que o bairro mais populoso de Belém, onde mais de 100 mil pessoas habitam, figure entre os mais violentos da cidade. Para o professor Raimundo Oliveira, a violência no Guamá é um problema estrutural, fruto do processo histórico de origem do território e ausência de políticas públicas.
Nascido no Guamá, o educador esteve à frente das caminhadas, junto de outros moradores e membros de movimentos sociais, que pediram por segurança e paz no bairro dias após a chacina. Raimundo leciona a disciplina de história em duas escolas públicas de ensino fundamental e médio, a Barão de Igarapé Miri e a Frei Daniel, ambas no Guamá, além de fazer parte da organização comunitária Espaço Cultural Nossa Biblioteca (ECNB).
“A questão da violência não é apenas contra os corpos, é também contra a mente das pessoas, por você morar em territórios que são marginalizados ou afamados como violentos, de você não ter respeitada a sua condição humana de ter dentro desse local tudo que é necessário para se desenvolver plenamente. Aqui, por exemplo, existem escolas, mas elas estão em péssimas condições, outros fatores como o desemprego refletem nessa situação de crimes. Aqui no bairro do Guamá a história do morador é ser desgastada com o tempo”, explicou o professor.
Em uma passagem estreita, entre casas de madeira e alvenaria, está um domicílio onde antes funcionava o “Bar da Vanda”. Naquele 19 de maio, o mecânico Márcio Rogério, 36 anos, que morava com o casal de filhos, um menino e uma menina de 7 e 9 anos, foi chamado para levar uma amiga ao estabelecimento e convidado para conhecer as colegas dela que também estariam no bar, detalhou a mãe dele, a dona Maria do Socorro Silveira. Márcio e a amiga estavam entre as 11 pessoas assassinadas.
Mesmo após dois anos da perda do filho, a mãe da vítima conta que não consegue esquecer dos bons momentos que passou ao lado dele. Emocionada, ela diz que ele era seu grande parceiro, um bom pai, trabalhador e brincalhão. “O Márcio era um filho muito apegado, sempre me ajudava, dizia que queria envelhecer perto de mim. Ele trazia os meninos (filhos) para minha casa, hoje em dia, as crianças sem entender direito dizem que sentem saudade dele, eu também sinto a falta do meu filho, é muito difícil para uma mãe ver um filho partir dessa formal cruel”, disse dona Maria.
Ela conta que após o crime passou a ter contato com algumas mães das outras pessoas que também foram mortas no bar. Maria disse que as conversas ocorrem por WhatsApp, apesar dela ainda não saber usar direito o aplicativo de mensagens. Suas conversas são com as genitoras do Dj e do garçom que trabalhavam no estabelecimento no dia do assassinato. O tema das conversas geralmente são sobre os filhos das vítimas. A mãe de Márcio contou que aproximadamente 15 crianças ficaram órfãs. “A mãe do rapaz que trabalhava como Dj me falou que ele tinha quatro filhos, isso é muito triste, imagina como vai ser para essas crianças crescerem sem a presença dos pais”, comentou.
Maria diz que não deseja o mal para as pessoas que mataram o seu filho. Ela conta que ora para eles se arrependerem e pedirem perdão pelos seus atos, mas pede também por justiça, apesar dela não trazer seu filho de volta. “Todo mundo erra, mas só quem pode tirar a vida de uma pessoa é Deus, só ele que pode nos julgar. Quero que a justiça da terra seja feita, antes da pandemia eu procurei o promotor, mas até agora eles (autores do crime) continuam soltos, uns estão presos, mas e os outros? Eu não tenho medo de pedir justiça, espero que eles peçam perdão a Deus pelo que fizeram”, desabafou.


Justiça


Na última terça-feira, 18, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) e o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) inocentaram, durante audiência virtual, Jaison Costa Serra, acusado de ter participação no crime. Ele era acusado de ter fornecido auxílio para outros acusados que teriam se reunido em sua panificadora antes e depois do crime. O empresário ficou preso, segundo a defesa, inocentemente por sete meses. “O Tribunal de Justiça do Pará reconheceu que as provas que existiam no processo demonstravam que Jaison não participou da Chacina do Guamá, pois não participou das reuniões antes e depois do crime, que as reuniões não ocorreram dentro de sua padaria e que a arma que foi apreendida com ele não foi utilizada nos crimes”, disseram os advogados de Jaison, Lucas Sá Souza e Luana Miranda Leal.
Segundo o advogado, o próximo passo para Jaison é que a Justiça determine a retirada da tornozeleira eletrônica “para que ele possa voltar a ter uma vida digna de um homem inocente”. Com relação aos demais acusados, será aberto um prazo para que eles decidam se irão recorrer da decisão do Tribunal de Justiça que os manteve pronunciados ou se irão para o julgamento perante o Tribunal do Júri.
A Promotoria de Justiça Militar acusou quatro militares de integrarem o grupo que matou 11 pessoas. Eles negaram a prática dos crimes. As investigações indicam para uma disputa por territórios. O bar seria um ponto de encontro de traficantes de drogas. No dia 6 de julho do ano passado, os homens foram julgados, apenas pelos crimes que são julgados pela Justiça Militar. A Promotoria solicitou a expulsão dos quatro acusados. O juiz presidente pediu pela exclusão dos dois condenados, porém, o conselho negou a expulsão dos militares. Ainda não há data marcada para o julgamento pelo crime de homicídio, que será pela Justiça comum, e todos estão em liberdade.

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