segunda-feira, 26 de abril de 2021

‘Máfia do cabelo’ desviava doações para doentes de câncer e lucrava milhões


Responsável por confeccionar perucas que seriam doadas a pessoas em tratamento ficava com até um terço dos cabelos. Polícia apurou que ela tem mais de cinco imóveis sendo comercializados, alguns com valor de mais de R$ 2 milhões na orla do Rio de Janeiro.
A boa intenção de doar cabelos para quem está em tratamento de câncer de Denildes de Palhano acabou revelando um esquema milionário envolvendo desvio de cabelos. Eles deveriam ir para a confecção de perucas para pessoas em tratamento da doença.
Mas eram desviados pode Gleice Milesi da Cunha, que foi presa preventivamente esta semana quando se escondia em um motel. Para a polícia, Gleice é a chefe de uma quadrilha que faz comércio ilegal de cabelo.
A história começa em 2005 quando Denildes teve um câncer de mama e, depois de curada, passou a participar de grupos de apoio a mulheres com a doença.


Em 2009, ela conheceu a Fundação Laço Rosa, ONG com sede no Rio de Janeiro, que recebe cabelo doado e faz perucas para pessoas que passam por quimioterapia. Mas ela começou a estranhar que muita gente doava, mas poucas pessoas recebiam perucas.
Denildes foi até a Laço Rosa, questionou, pegou o próprio cabelo que havia doado de volta e resolveu investigar o sumiço das doações. Ela descobriu que os cabelos iam parar nas mãos de Gleice Milesi, que deveria confeccionar as perucas.
Só que no lugar disso, ela montou um verdadeiro império em cima das doações para doentes de câncer: abriu uma fábrica, quatro lojas e começou a vender também pela internet.
“É humanamente impossível esquecer quem está ganhando dinheiro em cima de uma doença”, disse Denilde, que teve que parar sua investigação por causa da volta de sua doença.
Mas anos depois, o acaso colocou Denildes e Gleice frente a frente. A criminosa foi apresentada a Denildes como namorada de um amigo. Ela se fingiu de amiga, se aproximou de Gleice até que ela confessou os desvios.
“Ela confessou sentada na minha frente. Falei para ela 'parou a palhaçada’. 'Eu sei quem é você, você é chefe de uma quadrilha. Eu vou prender você'”, conta.
Denildes entregou tudo o que sabia do esquema de Gleice para a polícia. De acordo com as investigações, na ONG, o cabelo era separado e entregue para Gleice, que até fazia algumas perucas, mas a maior parte das doações, ficava com ela pra ver vendida!
Negócio de milhões
Foi assim que Gleice Milesi expandiu os negócios e criou um rede de venda de cabelo humano. É a marca Di Milese.
“Levantamos até 10 empresas envolvidas com o nome dela e com nome de familiares. Todos fazendo parte dessa quadrilha inclusive com remessas desse material de cabelo humano para o exterior”, diz o delegado à frente do caso.
Em uma operacão essa semana, a polícia foi a 13 endereços para localizar Gleice, conseguiu apreender mais de meia tonelada de cabelo. Algumas mechas tinham etiqueta cujo preço por quilo apontava o valor de R$ 8,7 mil.
Na fábrica de Gleice, chamada de Fundação Terapia da Mulher, no Recreio, Zona Oeste do Rio, a polícia disse que não foi encontrada nenhuma peruca para doação, tudo estava etiquetado para venda. Nas lojas, os produtos não tinham nota fiscal e nem documentos que comprovassem a origem dos produtos.
ONG sabia dos desvios
Em depoimento na Polícia, Gleice disse que “Há cerca de 5 anos começou a trabalhar com a ONG Laço Rosa, mas que atualmente se reporta a Patrícia do Carmo Bullé; que Patrícia lhe fornece os cabelos humanos doados, que existe um contrato que se iniciou em 2016, que a cada quilo, duas perucas são doadas à Laço Rosa e uma peruca fica com a declarante, como forma de contraprestação, ou seja, de pagamento pelo serviço.”
Patricia do Carmo Bullé é gerente de relações institucionais da Laço Rosa e também é alvo da investigação. Em depoimento, ela disse que não possui documentada a quantidade de perucas que já foram entregues para as pacientes.
A sede da Laço Rosa, que estava fechada no dia da operação, e na casa da presidente da ONG, Marcelle de Medeiros, a polícia encontrou R$ 45 mil, cuja origem não foi comprovada. Marcelle disse que tinha vendido um carro, mas não apresentou nenhum documento.
Marcelle de Medeiros disse à polícia que “um terço do cabelo fornecido a Gleice para a fabricação de perucas permanecia com ela como forma de pagamento, que não sabia dizer se recentemente receberam alguma remessa de perucas fabricadas por Gleice e que a informação de que parte do cabelo doado à Laço Rosa fica com o fabricante como forma de pagamento não é divulgada e os doadores não tem conhecimento sobre isso.”
Gleice está em prisão preventiva e, segundo o promotor que acompanha o caso, vai responder pelo crime de associação criminosa e mais.
“Fraude no comércio e o crime contra o consumidor, que é omitir informação relevante sobre o produto omitir ao consumidor a informação”, explica.
A Polícia ainda está apurando quanto dinheiro a organização de Gleice movimentou.
“Já apuramos mais de cinco imóveis sendo comercializados. Imóvel com valor de mais de R$ 2 milhões de reais na orla do Rio de Janeiro. É bom enfatizar que é necessária a doação para as pessoas precisam receber os cabelos. Então de forma alguma que seja interrompida essa doação”, diz o delegado.
“O único medo que eu tenho é das pessoas pararem de doar por causa de pessoas que não são sérias. Tem muita ONG séria e muita gente séria”, diz Denilde depois de ver a Gleice presa.
Por Ana Carolina Raimundi, Fantástico

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